*Por Osmar Gomes dos Santos
Na última quarta-feira a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicou um relatório para América Latina e Caribe preocupante. Segundo o estudo, 131 milhões de pessoas não dispõem de recursos financeiros para a alimentação diária saudável.
Com os poucos trocados no bolso, o cidadão fica sem o leite, a carne, a fruta, a verdura. Dinheiro só se tem para o básico do básico. Somada àqueles que podem se dizer ter sorte por ainda fazer uma refeição pouquíssimo nutritiva, cresce, por outro lado, uma camada populacional sem qualquer acesso a alimentos por um dia ou mais.
Nos dois casos, são pessoas (seres humanos) que convivem com a insegurança alimentar. As primeiras, uma insegurança que vai de leve a moderada. No segundo grupo, a insegurança alcança o nível grave, no qual a única certeza que os cidadãos têm é justamente a comida que não terá no novo dia que amanhece.
Os dados são deveras preocupantes e de certo modo, mostra como de alguma forma a humanidade falhou nas escolhas de seu livre arbítrio. Criamos nossas moedas, impomos condições, precificamos praticamente tudo que há na relação com o próximo. Noutra via, esquecemos de criar condições mais igualitárias de acesso aos bens.
O levantamento da FAO só vem para reforçar o que já vemos crescer no dia a dia: pessoas sem emprego, pedintes nos semáforos e nas portas de estabelecimentos comerciais. De um todo homogêneo, fomos capazes de gerar subcategorias humanas, que parecem água e óleo. Pessoas que sobrevivem, não se sabe como.
Estou certo que aliado à questão hídrica, este é um dos temas de maior relevância para o que nos resta deste século. Alimento é a base para tudo, sem o qual não há forças para erguer uma nação.
Neste bojo de ter ou não ter, o intrigante é que não se fala da falta do alimento, mas da condição de acesso a ele. A cada ano produzimos mais do que podemos consumir em quantidade, enquanto, na mesma escala, ampliamos o desperdício com alimentos que vão parar na lata do lixo. O Brasil se destaca nessas duas vertentes.
Ao passo que é um dos maiores produtores de alimento mundial, é também aquele no qual a insegurança alimentar bate à “porta do estômago” de pelo menos 61 milhões de cidadãos. Um verdadeiro e crucial carma social que parece não ter fim.
São pessoas que não conseguem assegurar uma boa alimentação; tendo comprometida sua capacidade para o trabalho e claro, sua qualidade de vida. Pelo menos 20 milhões de concidadãos já acordam com a certeza de que não haverá comida naquele dia, enquanto outros 9 milhões se encontram em condições agudas de desnutrição.
Embora um dos mais graves, a fome não é o único dos problemas sociais que enfrentamos, assim como nossos países vizinhos, da América Latina e Caribe. A ela, somam-se a baixa escolaridade, péssimas condições de emprego, falta de renda, restrito acesso a programas de saúde, ao lazer, à cultura e ao desporto.
Data vênia, Euclides, o brasileiro é, antes de tudo, um povo forte.
Venho tomando esse tema há algum tempo, debruçando-me a refletir cada nova divulgação feita, seja pela ONU ou por organizações brasileiras, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A cada novo estudo os números confirmam o fracasso, ou, pelo menos, a ineficiência, das políticas públicas implementadas. O Brasil é tão rico e tão pobre! Onde estamos errando?
Tenho enorme respeito pelos profissionais, técnicos, pessoas que possuem um conhecimento gigantesco, habilidades múltiplas, a exemplo de grandes pesquisadores. Mas ainda me questiono o fato de não termos nos ajustado enquanto nação, uma vez que temos tanta mão de obra qualificada, cérebros brilhantes, estudos avançados. O quê não está dando certo? O quê precisamos ajustar?
Ora, se uma pessoa não tem algo em torno de 18 reais para se alimentar diariamente, imagine suas condições: de moradia, de vestimenta, de saúde, de vida. Ou seja, há todo um problema estrutural por trás do prato vazio. Acarreta problemas de saúde física e até mental. Além disso, mexe com a autoestima daquele impactado, uma sensação de impotência e perda da dignidade.
Enquanto a solução não vem, a mancha da fome aumenta, devendo ser agravada por questões climáticas mundo afora. Por aqui, o Brasil segue batendo seus recordes: na alta produção de alimentos; no avanço da pobreza; no aumento da forme…
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.