Neste espaço, já tive a oportunidade de trazer ao leitor a reflexão sobre o problema da violência em nosso país, da qual o cidadão de bem está refém. Essa violência está à espreita, de tocaia, e nos apanha de forma repentina em momentos em que estamos apenas tentando viver uma vida normal. Violência que assombra, martiriza e nos tira aqueles que mais amamos, restando a dor da saudade.
Abruptamente – sem qualquer possibilidade de despedida, de um abraço, de um olhar – pessoas são arrancadas de nosso convívio sem qualquer motivo plausível, até porque nada justifica uma vida ceifada. Vítimas de bala perdida, briga de trânsito, bate-boca e ações criminosa continuam se multiplicando Brasil afora. Dentre as milhares de vítimas, pessoas como a vereadora Marielle Franco, e na última semana o delegado Davi Aragão, ao qual declino algumas palavras.
Jovem prodígio, Davi conclui cedo a faculdade de Direito, tendo prestado bons serviços à população logo que se formou, como advogado da Caixa Econômica Federal. Mas seu ímpeto de fazer mais pelo próximo o fez buscar voos mais altos, galgando o posto de delegado da Polícia Federal, em seus tenros 23 anos.
Sua atuação austera o levou à chefia da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários e seu profissionalismo conquistou a todos com quem conviveu. Mas Davi foi mais que um excelente profissional. Foi bom filho, pai exemplar, bom marido. Amigo querido e amado por todos a sua volta, como foi visto na justa homenagem que marcou sua despedida.
Há de se louvar os três dias de luto como um tributo justo aquele que muito fez pelo Maranhão e pela nação. Mas a verdade é que para os familiares e amigos próximos esse luto será eterno, arrastado em um imenso vazio que não mais poderá ser preenchido, simplesmente acompanhado da eterna dor da saudade.
Milhares de pessoas de bem são vítimas da violência todos os anos no Brasil, mas casos como o do delegado Davi, assim como foi o da Marielle, têm o efeito do chamado “soco na boca do estômago”, uma vez que desempenhavam funções públicas de destaque. São casos que reportam à sensação de permanente vulnerabilidade diante dessa problemática social.
Fica a pergunta: até quando deixaremos que laços sejam rompidos, corações sejam despedaçados, famílias chorem a perda de entes queridos? Quantas datas importantes, que deveriam ser de alegria, deixaremos de comemorar por causa da eterna dor da saudade que ficou?
Inquieto-me e chego a me questionar, ainda, se fracassamos enquanto nação. A concepção básica que construímos de sociedade como um espaço de agregação em torno de interesses comuns, tem deixado uma lacuna que cada vez mais nos afasta e nos torna repulsivos àqueles que deveriam compartilhar práticas sociais cotidianas conosco.
Por vezes, ouço com preocupação a justificativa de que o Judiciário é grande culpado desse caos enfrentado, sob a retórica de que a Polícia prende e a Justiça solta. E não digo isso enquanto magistrado, mas como cidadão que entende que essa culpa não pode ser creditada a um poder. Tampouco pode ser creditada somente aos órgãos públicos. Segundo preceito constitucional, a segurança é dever do Estado, mas, também, é responsabilidade de todos.
A tentativa de desqualificar o Judiciário em detrimento de todo um sistema que deve atuar de forma integrada não se sustenta e corrobora para o enfraquecimento do Estado democrático de Direito. O Judiciário, bem como aqueles operadores do Direito que junto a este poder atuam, segue uma conduta orientada pelas normas estabelecidas. Não é permitido a qualquer deles – juízes, promotores, defensores e advogados – agir em dissonância com a lei.
Na mesma linha de raciocínio, não se pode varrer a poeira para baixo do tapete. O fato de não se creditar toda a culpa sobre um ou outro órgão não quer dizer que os mesmo não tenham sua parcela de responsabilidade. Por isso, defendo que vivemos um momento crucial no rumo do país, no qual se faz imperiosa uma atuação integrada dos poderes constituídos, nas três esferas de representação.
Cada um precisa assumir suas responsabilidades, não havendo espaço para apontar o dedo a este ou aquele. Nós, agentes públicos, existimos em função do cidadão, somos pagos pelo cidadão e temos que agir, incansavelmente, nesse sentido. E não falo apenas daqueles ditos “autoridades”, mas dos servidores públicos em qualquer grau de hierarquia.
Chegamos a uma encruzilhada na qual precisamos decidir juntos, poder público e sociedade, qual caminho a trilhar agora. É necessário o nível do debate e demonstrar que amadurecemos enquanto nação no sentido de construir um projeto de Brasil com mais oportunidade para todos. Ou ficaremos à deriva, tal como diz uma famosa fábula: quando não se sabe onde se quer chegar, qualquer caminho serve.
Não podemos deixar que o Brasil continue esse país das “maravilhas”. Quantas Marielles, quantos Davis e tantos outros cidadãos terão que ser sacrificados para que algo mude efetivamente? Quantos garis, taxistas, motoristas, domésticas, estudantes? Quantos mais teremos que perder para que de fato tomemos as rédeas de nossa nação?
Marielle, Davi, Maria, José, João, Rita, Ricardo, Antonio, Carlos. Presentes! Ontem, hoje e sempre, assim como a eterna dor da saudade.
Osmar Gomes dos Santos
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís
Membro das Academias Ludovicense de Letra, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.