Muito se vem discutindo acerca do papel da polícia na sociedade atual. Posições a favor e contra são defendidas, até com certa efusividade, diariamente, seja no bar da esquina ou em uma sala cheia de especialistas. Decerto que a polícia é uma força extremamente necessária à manutenção da ordem e da segurança, mas o exercício da função deve gozar das prerrogativas sem extrapolar os limites legais e constitucionais.
Todos os dias ouvimos no noticiário acontecimentos envolvendo profissionais das forças de segurança. A tônica levada para a sociedade, via de regra, por meio da imprensa, tem sido a atuação de uma polícia truculenta, violenta, a que mais mata no mundo. Agentes envolvidos com práticas criminosas já são lugar comum nas páginas policiais, onde, por vezes, o mocinho troca de lugar com o bandido.
É inegável que existam aqueles policiais que exercem sua função às margens da lei, usurpando funções que lhes compete ou mesmo adotando condutas reprováveis ao se associarem a práticas ilícitas. O que explica o fato de profissionais que deveriam proteger o cidadão simplesmente trocarem de lado e escolherem um caminho que nada honra a sua farda?
Permito-me a inferir que o problema não está na atividade policial, mas sim no desvio de caráter que pode atingir qualquer ser humano, de qualquer classe social, em qualquer função, pública ou privada, na qual esteja investido. A farda nada mais faz do que dar uma falsa sensação de poder àquele cujo caráter é desvirtuado, enrustido de vaidade, arrogância e prepotência. Ressalta-se, vemos isso diariamente nas mais diversas áreas.
Tive o privilégio de compor o quadro da Polícia Judiciária deste Estado e o prazer de atuar junto a tão esmerados policiais civis e militares, cujo exercício engrandece suas instituições. Uma minoria, infelizmente, e isso ainda hoje ocorre, ainda extrapola os limites de sua atuação, esquecendo-se do papel social que lhe cabe junto à sociedade. Vimos caso recente em episódios que sucederam o assalto ao Banco do Brasil de Bacabal.
Embora na posição de magistrado, onde busco cumprir com zelo e dedicação a função a mim atribuída, considero-me um homem comum, motivo pelo qual mantenho permanente contato com aquelas pessoas também ditas comuns. Por essa razão, sempre há espaço para uma prosa sobre essa pauta, algo que considero importante e que merece atenção e um debate sério.
Não raro ouço depoimentos de pessoas de farda que cometem extravios de função, seja da baixa ou da alta patente. Arrogância, prepotência e até ameaças em torno de situações cotidianas, nas quais deveria imperar o diálogo, são assuntos relatados por aqueles com quem mantenho permanente relação, aqui ou no interior do Estado, onde ainda preservo boas amizades, a exemplo da minha Cajari, na Baixada Maranhense.
São posturas que não se coadunam com a posição de qualquer servidor público, não compactuando com a atuação policial, notadamente aqueles de alta patente, a quem cabe servir de bom exemplo para sua companhia.
Recentemente “viralizou” nas redes sociais um vídeo de policiais da patrulha motorizada que pararam em um bairro de uma determinada região, aparentemente pobre, para “brincar” de bete com a criançada. É um jogo comum nos bairros mais carentes, no qual uma dupla defende sua posição tentando rebater uma bola similar à de tênis lançada por outra dupla, que por sua vez tenta derrubar uma lata colocada dentro de um círculo que é defendido pela primeira dupla.
Regras do jogo à parte, fato é que ali eles não estavam brincando, fugindo à sua missão, muito pelo contrário. Aqueles dois policiais deram uma lição de civilidade ao dizer para aquela comunidade que ela pode contar com o auxílio da polícia e que esta estará ao lado dos cidadãos para o que der e vier. Estabeleceu-se uma conexão positiva, um elo de confiança e de credibilidade.
Isso porque o policial, antes de tudo, é um servidor público e, como tal, precisa servir a sociedade com zelo e esmero. O trabalho de relacionamento, por meio do qual se conquista a amizade, ajuda na prevenção à criminalidade e certamente contribui para a elucidação de eventuais práticas delituosas.
É de policiais como esses que precisamos. Na verdade, precisamos de servidores públicos assim em todas as áreas, atuando com primor e que olhem para os cidadãos como maiores beneficiários dos seus atos. E temos esses profissionais da segurança no quadro, importante ressaltar.
Digo sem medo algum de errar que a soberba e a prepotência ficaram para alguns poucos. O respeito, a humanidade e a humildade certamente imperam nos quadros das forças policiais. Em sua maioria são agentes que atuam com zelo e amor à função que lhes é assegurada, que é guardar e proteger a sociedade.
Abaixo a ditadura da soberba e da prepotência escondida por trás de uma farda. Exaltemos aqueles que, verdadeiramente, carregam a polícia no coração, na sua alma. Essa é a polícia que queremos e, como cidadãos, temos o dever de ajudar a construir.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís; Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.