Há um bom tempo a questão da maioridade penal vem sendo debatida no Brasil. Alguns especialistas defendem a manutenção, enquanto outros veem o rebaixamento para 15 ou 16 anos como um caminho para a diminuição da impunidade no país. Enquanto cidadão, aproveito este espaço para me inserir no debate e marcar posição sobre tema tão polêmico e delicado.
Chegar aos 18 anos já foi e, de certa forma, ainda é uma transição entre a incapacidade e a capacidade civil, sob a ótica da nossa legislação, com raras exceções a essa regra. Já foi sinônimo de orgulho, de vaidade, de empoderamento, quando ouvíamos os colegas dizer: “quando eu fizer 18 anos”. Presumia-se que seria a idade do pode tudo, sair de casa, ter independência, ser dono do próprio nariz.
As páginas da vida, no entanto, vão sendo escritas de forma diferente para cada caso particular e a assunção dos 18 anos não parece se concretizar como marco na autonomia outrora almejada. Importante considerar que grande parte dos jovens brasileiros com essa idade sequer já concluiu o ensino médio, além do triste índice daqueles que já abandonaram os estudos.
No atual cenário sociopolítico a discussão que se dá em torno da maioridade diz respeito a sua redução para os 16 anos. Pretextos não faltam para justificar essa redução, mas, na prática, os efeitos que a medida poderia trazer são inócuos a médio e longo prazo e em nada contribuiria para solucionar a grave crise de segurança vivida no país. E não se pode querer comparar o Brasil com outras nações, nossa realidade tem suas particularidades.
O único efeito imediato que a medida poderia trazer seria o incremento nas cadeias de alguns milhares de novos apenados. Para um sistema carcerário que em muitos estados já beira o colapso, seria a gota d’água que falta para o completo caos.
A impunidade em si não é argumento que balize uma discussão razoável, pois ela não é a causa, mas efeito da falência das políticas públicas de segurança. As pessoas, em regra, cometem crime não porque há impunidade, mas a responsabilização pelo crime não ocorre em muitos casos pelo fato do Estado brasileiro não ter capacidade de edificar uma política criminal eficaz, tanto para o adolescente infrator, como para aquele plenamente capaz, segundo a lei.
Quanto à impunidade, faço, ainda, uma importante ressalva à incapacidade das forças policiais de conseguirem elucidar uma grande quantidade de crimes, haja vista a falta de estrutura material e humana para dar conta da enorme demanda. O resultado disso é que no Brasil, por exemplo, a resolução dos casos de homicídio não chega a 10%, com índices que variam entre 5 e 8% a depender da fonte. Em regra, inquéritos são arquivados sem que haja qualquer avanço nas investigações.
Uma adequada política de segurança não pode visar apenas os efeitos, mas as causas que levaram a sociedade brasileira ao quadro atual. Caso contrário, a solução seria construir presídios, diminuir a maioridade penal, aumentar infinitamente as estruturas punitivas e o quadro de pessoal para dar conta de índices cada vez maiores de problemas relacionados à violência. Não é esse o caminho!
A grande lacuna social, sedimentada ao longo do século passado, entre a periferia e as áreas urbanas mais abastadas de atenção do poder público, possibilitou a consolidação de um sistema de sociabilidade paralelo ao que propõe o estado positivado. Sem acesso a bens e serviços, muitas pessoas às margens da sociedade buscaram mecanismos próprios de sobrevivência, algumas vezes indo contra as normas estabelecidas para balizar um convívio harmonioso.
Ao passo que as políticas de assistência no campo falhavam, mais e mais pessoas engrossavam os índices do êxodo rural rumo a um centro urbano, incapaz de oferecer espaço e oportunidade para todos. Um sem numero de pessoas deslocadas para áreas urbanas, sem acesso a empregos, bens e serviços, resultou na criação e consolidação de bolsões e cinturões de pobreza nos aglomerados urbanos. A ausência do Estado nessas áreas abriu espaço para uma forte atuação do crime organizado, configurando o cenário estabelecido atualmente.
Já nos acostumamos a ouvir que na periferia o “bicho pega”, uma alusão ao estado de violência instalado em grande parte dessas áreas. Crianças não têm acesso a escolas de qualidade, tratamento de saúde, saneamento básico e faltam espaços para a cultura, o lazer e o esporte. É nessa ausência do Estado que o criminoso passa a agir, recrutando crianças e adolescentes para atuar nas carreiras do crime desde muito cedo.
Muitos jovens que hoje estão envolvidos com a criminalidade não conheceram outro caminho se não aquele que os levou a um mundo sombrio. A maioria cresceu dentro e para o tráfico, sendo esta a porta de oportunidades que lhe abria para fugir da escassez de bens materiais e até mesmo itens básicos à sobrevivência desde a tenra idade. Nessa minha curta carreira de magistrado já vi muitas histórias com enredos iguais, mudando apenas os personagens de uma narrativa social trágica.
Defendo que alterações na maioridade penal não trarão benefícios à sociedade, no máximo poderão mascarar temporariamente uma realidade que está encravada nos bolsões de pobreza. O desenvolvimento sustentável de uma nação deve ter um caráter sistêmico, considerando que ações de uma área específica interferem em outros segmentos sociais.
Assim, faz-se necessário quebrar o ciclo de pobreza que insiste em ser reproduzido nos bairros periféricos. E o ponto final a todas as mazelas é uma forte intervenção estatal no sentido de oportunizar novos horizontes para crianças e jovens, principalmente na oferta de uma educação integral, plena e de qualidade. Precisamos retirar nossas crianças e jovens das ruas, espaço onde a iniquidade se reproduz.
O país do futuro se constrói com pessoas e livros. Chegou a hora de pensar o Brasil um pouco mais adiante do que está apenas ao alcance dos nossos olhos. Precisamos dotar nossas crianças e adolescentes de plena capacidade intelectual e somente assim poderemos lhes dizer: bem vindo aos 18 anos. Neste caso, com uma perspectiva de ir muito além.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís; Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letra.