Preocupa-me uma onda de pessimismo a cada nova copa do mundo de futebol que visa tão somente atacar a prática esportiva, incentivando o boicote aos jogos. Esse fenômeno social tem estado presente nos últimos mundiais, mais é visto de forma mais intensa nesta edição, disputada na Rússia, muito em razão do maior uso das redes sociais e da facilidade com que as pessoas têm de propagar suas opiniões nessa plataforma.
O reflexo disso pode ser visto nas ruas, inclusive, espaço que já não anda tão colorido e alegre como outrora. É compreensível que alguns sejam indiferentes ao jogo, eu particularmente sou adepto e fã de muitos esportes. Mas a questão é que querem transformar a participação brasileira em um evento esportivo na causa de muitos problemas da nação, ou pelo menos querem relacionar o cenário brasileiro a uma certa “alienação” futebolística, ou seja, um povo que tem olhos para a copa, mas não para sua realidade.
Vejo esse comportamento – dos que querem promover esse sentimento – calcado em uma base no mínimo egoísta, onde buscam impor opiniões fundadas em suas crenças, muitas das quais com caráter intolerante. Antecipo que está longe de mim querer ir contra opinião alheia, pois estaria adotando a mesma linha a qual não concordo. Mas respeito o livre direito de manifestação.
Recolho minha insignificante contribuição para o debate sob outro aspecto, que é o de entender e refletir sobre as razões estampadas em posts e timelines. Vejo que grande parte da insurgência contra os jogos estão relacionadas diretamente com a insatisfação de muitos brasileiros com o cenário político do país, com instituições públicas mergulhadas na pior crise de representação da história. Daí utilizar um grande acontecimento para a disseminação de ideias diversas.
É passível de compreensão aqueles que não gostam de futebol, assim como sou obrigado a concordar com o cidadão que se vê indignado com tanta coisa errada acontecendo ao mesmo tempo no país. E que essa insatisfação termine em resultados práticos: agir para mudar. Essa atitude pela mudança é louvável, mas a birra não! Birra é um estado comportamental comum a crianças malcriadas quando têm suas vontades contrariadas.
Não me parece razoável confundir a crise ética e representativa pela qual passa a nação – e isso vale para algumas entidades desportivas e à própria FIFA – com aquilo que cada esporte representa na sua essência. O problema não é o futebol! Como não é o basquete, o vôlei, a ginástica. Como não é e jamais será a política. O problema consiste no próprio ser humano, no fisiologismo de dirigentes que insistem em “confundir” o público com o privado.
O futebol em si não carrega nada de negativo. Possui uma linguagem universal positiva e é um dos esportes mais praticados em todo o mundo. Costumo ouvir do meu filho, que o esporte é uma vacina contra a prostituição infantil e as drogas. Quantas não foram as vezes em que a modalidade fora inserida em processos de paz em regiões de conflitos? Aqui, como em diversos países, quantos não são os jovens que buscam no futebol uma oportunidade para escapar da pobreza que assola a sua dignidade humana? Eu até que tentei.
E não para por aí. São milhares os projetos sociais que têm o futebol como esporte principal, ancorado em uma metodologia que alia a prática esportiva aos estudos. Muitos jovens atendidos sequer chegam a jogar profissionalmente, mas certamente constroem conhecimentos e valores que carregam por toda a vida. Isso porque o futebol, tal como outras modalidades, edifica, disciplina, encoraja, cria senso de perseverança, de responsabilidade e de comprometimento, qualidades essenciais a todo cidadão.
Um evento como a copa do mundo é de especial importância para um país como o Brasil. Ela mexe com a nação, reaproxima pessoas que se reencontram para torcer juntas, movimenta a economia em diversos setores e desperta o sentimento pátrio que nos motiva a querer o melhor para nosso país. O que pode haver de errado nisso?
Não é de hoje que o Brasil é o país do futebol. Mais do que isso, é um país do vôlei, do basquete, da fórmula 1, do tênis, do judô, da natação, da ginástica. É também um país multicultural, do samba, do frevo, maracatu, xote, forró e de tantas e boas manifestações culturais que estampam nossa marca “made in brazil” de alegria, de legitimidade.
Negar a copa, torcer contra o futebol, é como recusar a própria identidade nacional, cuja construção perpassa por essa e outras manifestações culturais emanadas do povo. Somos a pátria de chuteiras, do samba no pé, da sanfona na mão, do sorriso no rosto, do povo de sangue quente e acolhedor. Não se pode querer retirar essas marcas do brasileiro. Embora concorde que ele tenha tantas outras qualidades e potenciais a serem desenvolvidos. Mas cada coisa no seu tempo, ou como diz o filósofo popular: “cada coisa em seu quadrado”.
É preciso separar o real do lúdico. E isso qualquer ciência que estuda a mente e o comportamento humano pode ratificar. Todos nós precisamos dos momentos de descontração, de reunião com os amigos, de extravasar as energias. Isso faz parte de uma vida socialmente equilibrada, pois não cabe a nós cidadãos debater política diuturnamente, aprofundando-se em amarguras e crises existenciais.
Um povo que torce pela copa do mundo, que vibra com seus concidadãos que entram em campo para defender sua bandeira, não pode ser rotulado de alienado. Jamais! Somos um país plural, de dimensões gigantescas e opiniões das mais diversas sobre todos os sentidos. E, de fato, o Brasil não para por causa da copa.
O Brasil não parou! Continuamos a produzir, gerar riqueza, a agenda política está caminhando, o cidadão continua acordando cedo para sua labuta diária. O que há de errado? Devemos nos tornar o país da melancolia? Precisamos ter uma pauta séria de debates, de reformas, de melhorias na educação, na saúde, na segurança, na geração de emprego e renda, mas convém lembrar que mudanças se fazem com atitudes, como a de escolher de forma consciente seus representantes e acompanhar o seu trabalho.
Quanto aos pessimistas de plantão vamos responder apenas com o sorriso, com o grito de gol, com os punhos cerrados. Se a taça não vier, tudo bem, faz parte do jogo. Outras copas virão e como dizia Henfil em suas esperançosas palavras “… se não houver folhas, valeu a intenção da semente”.
Osmar Gomes dos Santos
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís, membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.