*Por Osmar Gomes dos Santos
Dia de arrumação, resolvi lançar mão de um álbum de fotos. Guardado no canto de um móvel da sala, com a capa já descolorida pela ação do tempo, mas rico em vivas memórias de bons tempos que foram preservados.
Não se trata apenas de resquícios de momentos revelados em papel, mas de histórias que remontam a protocolos e ritos cheios de significados. Diferentemente de um ato tão comum hoje, tão ao alcance de qualquer pessoa, fazer fotografias há alguns anos constituía uma solenidade.
Primeiramente, não era em qualquer ocasião que se podia contar com um profissional exclusivo para captar os momentos que seriam eternizados em pequenos álbuns.
Reuníamos a família em datas especiais, como aniversários e Natal, ou mesmo em períodos que eram importantes para cada núcleo familiar. Essas datas já faziam parte da agenda anual, o que criava sempre grande expectativa.
Cabelo bem cortado e penteado, cuidados pessoais, a escolha da melhor roupa: uma, duas ou até três. No meu caso e no dos meus irmãos, apenas uma muda mais arrumada, dada a escassez de recursos.
Ainda assim, não pensávamos nas dificuldades, mas na magia da fotografia, que se revelava em um singelo e misterioso momento, captado para a posteridade.
No horário combinado, o profissional, no caso, o fotógrafo, pessoa de confiança da família, chegava pontualmente. Lá estávamos nós, com o brilho nos olhos, devidamente prontos e trajados para o momento de gala que marcaria aquele ano.
Os espaços eram cuidadosamente escolhidos, assim como as poses e a harmonia dos sorrisos entre todos que seriam captados pelas lentes. Não podia haver distração, sob o risco de “sair mal na foto”.
Esse cuidado no preparo se devia ao limite de fotos possíveis de se fazer com um filme, uma película onde cabiam 12, 24 ou 36 poses que, posteriormente, seriam reveladas em uma câmara escura, dentro de um processo um tanto quanto complexo para os dias atuais.
Câmera na mão, filme ajustado, flash calibrado e… “xiiiiiis”! Momento capturado.
A confiança de que tudo correra bem fazia parte da relação. O que foi captado, foi captado. Não havia como ver na telinha se alguém saiu de olhos fechados ou olhou para o lado. Também não era possível aplicar recursos de edição. O que estava feito, estava feito.
Ainda assim, era mágico aquele rito, cuja visita do fotógrafo marcava apenas o início. Ficávamos na expectativa por dias, às vezes semanas, até que ele retornasse com o álbum impresso, geralmente no início do mês, quando algum dinheiro “pingava” na conta.
Abríamos o envelope ou mesmo aquele pequeno álbum de 10 x 15 cm e ali permanecíamos por um bom tempo conferindo cada foto. Os detalhes, as eventuais caretas, tudo era motivo de conversa.
Quão bom reviver essa gostosa nostalgia, que remete a memórias deliciosas de tempos que inexoravelmente se foram, mas que ficaram cuidadosamente captados. Momentos mágicos, cheios de significados, por retratar sorrisos e alegrias em meio às adversidades.
Hoje, o mundo é outro, literalmente. Vivemos o instantâneo, de momentos e cenas que podem se repetir sem a preocupação com o fim da película. Se não ficou bom, voltamos às poses, fazemos novas fotos, que logo são compartilhadas por aplicativos de mensagens e inundam as redes sociais. Ou simplesmente se perdem com o tempo, em uma formatação de celular.
Não posso, nem me arrisco, a afirmar que a magia se perdeu. No mínimo, foi atravessada pela tecnologia, às vezes perversa. Inovação que transforma tudo numa velocidade absurda, descartando momentos, os quais não vão para os álbuns, porém nos permitem viver aquelas doces expectativas.
Osmar Gomes dos Santos é Juiz de Direito na Comarca da Ilha de São Luís (MA).
Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas, da ALMA – Academia Literária do Maranhão e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras.