*Por Osmar Gomes dos Santos
Há tempos deixamos para trás normas legais que impunham diferenças entre pessoas em razão de suas características. Pobre, rico, homem, mulher, preto, branco. Categorias sociais criadas, sobretudo, para faccionar o estamento social entre privilegiados e os outros.
Trecho da chamada minirreforma eleitoral, e lá já se vão algumas desde o código eleitoral vigente, assegura cota de 30% para candidaturas femininas. A “ideia” é ampliar a representatividade feminina. Não quero afirmar que paridade tenha sido a intenção, mas bem que poderia.
Bom ressaltar que a norma não pretende garantir 30% de mulheres no parlamento, mas, tão somente, na base total de candidatos dos partidos políticos. Somando meus parcos conhecimentos de analista social e político com meu raso conhecimento de matemática, para mim, parece claro que algo na conta está errado.
Oras, estamos discutindo cotas percentuais de representatividade para conceder à mulher, que por sua vez é maioria da população brasileira, mas cabendo a ela a fatia de 30% da receita do bolo. Isso, da receita. Ao bolo, não se sabe quantas, de fato, vão chegar.
De toda forma, ao se estabelecer uma cota para mulheres, ao mesmo tempo não se está, por consequência estabelecendo uma outra para os homens? A diferença é que para nós, “sexo forte”, o percentual de candidatos é de 70%, valor elevado para mais de 80% se comparados os eleitos.
Cumpre observar que a regra não é bem de 30%… Há flexibilidade, obviamente não para beneficiar as mulheres. O projeto da minirreforma prevê que a cota de 30% seja contabilizada pela federação e não individualmente por cada partido. Assim, da união de duas siglas, apenas um precisará obedecer ao percentual.
Penso que esta não seja a forma mais adequada de se buscar equidade. Se a proposta é levarmos a sério uma sociedade plural, inclusiva e participativa, o correto será estabelecer que o número de representantes deverá ser de 50% para homens e 50% para mulheres, podendo-se até estabelecer percentuais para negros e negras dentro de cada parcela.
Não é objetivo adentrar na minirreforma, tampouco fazer crítica direta à sua redação. Pretendo apenas propor uma salutar discussão sobre um tema que interessa à sociedade, tendo em vista o modelo representativo sob o qual vivemos.
Como falar em paridade, inclusão, participação, quando as parcelas são assimétricas, os lugares de fala não são dados, as vozes são abafadas? Política não é coisa de mulher. De homem também não. Mas ao mesmo tempo de uma e de outro, sem distinção.
Não se pode evoluir enquanto nação conservando tantas distorções arcaicas. Avançamos no discurso, presos às velhas práticas que não nos permitem verdadeiramente evoluir. Há espaços que a capacidade individual, intelectual pode fazer a diferença no acesso, a exemplo do concurso público. No entanto, a capacidade representativa, que perpassa pela habilidade política enquanto seres sociais, esta não tem sexo.
O projeto segue para o Senado, que poderá propor alterações no texto base. O tempo é escasso, considerando o prazo que a lei precisa entrar em vigor antes das próximas eleições, em 2024.
Uma coisa, no entanto, parece que segue como dantes: seguimos sendo uma sociedade com enorme disparidade entre teoria e prática, entre a narrativa e a realidade que verdadeiramente se quer construir.
Se luto pela causa feminista? Não. Também não falo da mera elevação da representação da mulher para acomodá-la em uma cota. Entendo apenas que para 51,1% da população brasileira não cabe mera parcela de 30% e um passaporte da incerteza pela eleição.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.