*Por Osmar Gomes dos Santos
Trazida pela inovação legislativa – no bojo do pacote anticrime (Lei 13.964/2019), sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro, no ano de 2019 – a figura do juiz de garantias volta aos holofotes. Com seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal, desde a sua criação, a constitucionalidade do dispositivo entrou em votação na Corte.
Em tese, considerando a marcha do julgamento, a validade da norma está reconhecida, uma vez que o Supremo já formou maioria com esse entendimento. Não é tradição mudanças de votos no STF, daí porque não deve haver surpresas quanto ao desfecho sobre a matéria.
Aprovada, restará aos estados a aplicação. No julgamento, o Supremo deve estabelecer, também, o prazo para que os tribunais se organizem administrativa e financeiramente. O prazo limite para a adequação, e que tem sido majoritariamente aceito, é de doze meses, prorrogável por mais doze.
Na prática, a figura do juiz de garantias vai atuar apenas na fase de investigação da persecução penal, deliberando acerca de medida cautelar, prisão preventiva, mandado de busca e apreensão, quebra de sigilo e outros atos realizados que assegurem o bom andamento dessa etapa. Uma atuação ligada ao sistema constitucional garantista brasileiro.
Ofertada a denúncia, caberia a outro juiz a sua análise e recebimento, dando continuidade até o julgamento. Quem defende o modelo, o faz pela linha perspectiva de haver mais imparcialidade. Particularmente, penso ser esta uma visão deturpada do instituto, uma vez que lança desconfiança a tudo que foi feito até o momento.
O juiz de garantia é uma opção do legislador originário e que o STF agora caminha para validar. Trata-se de mero instrumento de aprimoramento da justiça criminal, mas sem caber qualquer possibilidade de jogar suspeitas vis sobre a atuação de membros que atuam na condução do processo em todas as suas fases.
O falso argumento da contaminação pessoal poderia vir a ocorrer em quaisquer das etapas, por quaisquer dos juízes. Isso porque o juiz de garantias não será uma figura tocada pela lógica binária da inteligência artificial. Será ele, também, um humano. Nessa lógica, a suspeita recairia a qualquer um em quaisquer das fases da persecução penal. Mas não é essa a questão. O magistrado é um profissional que deve agir e atuar com zelo pelo ofício que escolheu. É uma figura do Estado para aplicar a lei no caso concreto, fazer aplicar o dever, assegurar o direito inegociável do cidadão, que nele deposita a confinação no Sistema de Justiça.
A grande discussão que deve ser travada é no impacto que a medida trará aos cofres públicos, com a elevação da quantidade de magistrados. Quantos serão necessários? Todas as comarcas deverão ter essa figura? Haveria incremento nos valores repassados ao Judiciário, cujo apertado orçamento já não encontra fôlego para tantas ações que este tem a realizar?
Posição essa, inclusive, defendida pelas entidades representativas da magistratura, dentre as quais Associação dos Magistrados do Brasil, para quem a medida traria “abalos significativos” para a Justiça.
Voto contrário, o ministro Luiz Fux, que tem sua carreira construída na magistratura, entende que além das questões relacionadas ao impacto financeiro, a medida do Parlamento invade competência exclusiva do Judiciário.
Na implementação dessa medida, é preciso pensar que a mesma se dará dentro de um contexto complexo, de realidades distintas, devido à disponibilidade orçamentária, dimensões geográficas, recursos humanos, estrutura física e a própria organização judiciária, considerando as comarcas de vara única, onde atua apenas um juiz.
Ao que tudo indica, a lei está para ser aplicada. Como me posicionei, ainda em 2019, penso que persiste o enorme desafio de trocar o pneu com o carro andando.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.