*Por Osmar Gomes dos Santos
De antemão quero dizer que o título não apresenta qualquer intenção cômica ou demeritória, apenas uma analogia com o nome dado à maconha por aqueles que fazem uso do entorpecente em seu cotidiano.
Mais uma vez o tema entorpecente ocupa o centro do debate no espaço público brasileiro. Agora, no entanto, o assunto gera certa tensão entre Judiciário e Legislativo, levantando reflexões sobre a atuação dos poderes e, sobretudo, sobre a necessidade de uma política sobre drogas.
O debate, agora, gira em torno de um Recurso Extraordinário que está em julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, que trata da descriminalização do porte de droga para consumo próprio. A decisão da corte terá impacto sobre ações de mesma matéria em todo país, devido à repercussão geral.
O julgamento, que está com placar de 4 votos a 0 pela descriminalização, foi suspenso e deverá ser retomado pelo Supremo. No Senado, o julgamento provocou reações, com destaque para o posicionamento do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, que criticou a posição do STF.
Para Pacheco, o STF invade a competência do Legislativo, poder responsável pela elaboração e modificação das leis no país. O presidente do Senado ainda lembrou que a criminalização foi uma opção política do legislador de criminalizar, tanto o tráfico de drogas quanto o porte para uso. Modificação, portanto, teria que ser, também, por meio do Parlamento.
De acordo com as prerrogativas constitucionais, ao STF cabe a interpretação das leis à luz da Constituição Federal. No entanto, na ausência de entendimentos e mesmo de normas sobre diversas matérias, a Corte Suprema vem atuando na formação de entendimentos a serem seguidos pelas cortes federais e estaduais.
Para além das discussões de competência institucional, é preciso um debate sério e profundo com diversos segmentos, incluindo órgãos de saúde, educação, segurança, Justiça e sociedade civil organizada. O que se pretende com a manutenção da criminalização ou com a descriminalização?
Penso que é necessário debater o uso de entorpecentes sob o aspecto da legalização, tal como é feito com tantas outras drogas ditas lícitas. Apenas descriminalizar não é medida que ajuda a combater o lucrativo negócio de comercialização de drogas, podendo ter efeito contrário na política de combate ao crime organizado.
O debate precisa avançar na organização de um sistema, uma cadeia de produção e distribuição, devidamente regulamentado e que gere receitas ao poder público, inclusive para custear a rede de saúde em decorrência dos problemas advindos de um possível aumento do consumo.
Álcool e tabaco são dois exemplos de como o uso de substâncias que alteram o estado psíquico, em maior ou menor grau, podem ser regulamentadas. Tem contras? Naturalmente, mas também, pontos positivos, como a cadeia de produção que gera empregos e impostos importantes ao país.
Diz-se que a lei acompanha a dinâmica da sociedade, ou deveria. Dito isso, não é possível imaginar o descompasso prático entre o ato de legislar e a realidade social. O assunto merece atenção à luz da realidade: da geração de emprego e renda, da saúde pública, da superlotação e alto custo dos presídios.
Apenas legislar não resolve, tal qual a decisão do STF, data vênia, seja ela qual for, não encontrará uma solução prática para o problema. De toda sorte, o julgamento abre uma discussão tão necessária ao tema e, agora, cabe às instituições e ao Estado brasileiro tomar como ponto de partida e oportunidade para encontrar um caminho seguro em busca de uma solução adequada e justa.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.