*Por Osmar Gomes dos Santos
A música mais uma vez esteve de luto na última semana. Aos 88 anos, 70 dedicados à música, partiu João Donato. Artista múltiplo, cantor, compositor e multi-instrumentista, gravou com grandes nomes, atravessou gerações e foi um expoente da música e da musicalidade brasileira.
Passou pela vida dedilhando versos. Quando tocava um instrumento, especialmente o piano, parecia uma extensão de seu corpo. A alma logo estava a levitar, uma simbiose perfeita, que o tomava do riso fácil a ponta dos pés, irradiando alegria e encantamento para quem estivesse a sua volta.
João Donato nasceu em berço musical, com vários integrantes da família, inclusive o pai, que tocava bandolim. Aos 7 anos, já ensaiava canções próprias com um acordeom, presente de Natal, aparentemente como o de qualquer outra criança. Na primeira composição, um verso que marcou sua vida “não posso viver sem amor”.
E, ao que parece, o amor se fez música, confundindo-se na conjugação de verbo único, com a qual conviveu por toda a vida. Chegou ao Rio de Janeiro em meados da década de 1940, tendo contato com artistas, cantores e compositores, enraizando-se no circuito musical da cidade maravilhosa.
Inspirado na música latina, reinventou o jeito de tocar piano e criou uma batida sincopada, como se a supressão criasse um novo som pleno e ainda mais intenso, sua marca registrada. Era, para muitos, um mestre da bossa nova, referência para tantos outros mestres na mistura samba, jazz e tantos outros ritmos latinos.
Sua grandeza é vista não apenas pelos seus feitos, composições e a capacidade de dominar vários instrumentos. Donato estava para além dessas admiráveis qualidades. Os relatos são sempre de admiração, carinho e gratidão pelo compartilhamento de quem não guardava em si a magia da música.
Ao passo que era absoluto na execução, deslizando suavemente notas que encantavam a essência do ser, doava com gratidão seus conhecimentos como quem tivesse o dom de tocar o outro com o condão da musicalidade. Tantos foram aquelas e aqueles que com João Donato enriqueceram o ser e fizeram música com a alegria e a doçura da alma do mestre.
Trabalhou muito, sempre produzindo. Seu último álbum, Serotonina, foi lançado em 2022, logo após a passagem de novos desafios impostos pela covid-19, guerra que João Donato também venceu.
Compôs e entoou canções com a alegria e a paz do sorriso leve, motivo pelo qual não há de se duvidar que a esta hora já esteja com a harpa celestial para começar mais um espetáculo, agora no Céu.
Caetano Veloso, um dos expoentes de nossa MPB, afirmou que Donato era “a música encarnada, o Céu na terra”. Mas o tempo, este é inexorável. Agora, o artista deixa sua marca indelével no plano concreto para brilhar em outros palcos: a terra no Céu.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.