*Por Osmar Gomes dos Santos
Infecções e doenças de toda ordem que se espalham em consequência da desnutrição. O ápice da insegurança alimentar – a fome – chegou forte nas aldeias indígenas. A ponta do iceberg, que acendeu o alerta, foi visto na Reserva Yanomami, no Estado de Roraima.
Fome! Logo para eles, os legítimos donos desta terra. Estes, que primeiro puseram os pés neste solo, a canoa nos rios e lançaram flechas para garantir o alimento, já não tem onde plantar, pescar, caçar…
Krikatis, Canelas, Timbiras, Xavantes, Pataxós, Caiapós, Tupinambás, Ticunas, Guarani, Caingangue, Macuxi, Guajajara, Terena, Potiguara. Apenas para citar algumas tribos, constituem etnias, que choram a dor dos irmãos Yanomamis.
O problema ganhou contornos robustos diante do grave estado de emergência em que foram encontrados os Yanomamis, mas essa violência não é recente. Data mais de 500 anos, quando o Brasil teve suas “riquezas descobertas” pelos europeus.
Escravidão, engodo, assassinatos, disseminação de doenças, imposição de uma religião e um Deus; tomada a força dos corpos das mulheres e das riquezas que nossos indígenas cultivavam.
Deturpação de uma cultura coletiva, em detrimento de uma dinâmica social marcada pelo egoísmo e o acúmulo de riquezas. Não bastasse a destruição que o homem, dito civilizado, causou aos povos originários, tirou-lhes, ainda, o seu meio de sustento: a terra.
Depois de levar-lhes as florestas e suas riquezas, protagonizaram a criação das reservas indígenas como último reduto territorial desses povos. Entretanto, parece que ainda não é o suficiente. O “homem branco” quer mais, mais e mais.
Reserva indígena virou sinônimo de terra sem proteção onde a lei é a do mais forte, das máquinas, da pólvora. Os limites legais foram transpostos faz tempo, tudo em nome do ouro, da fauna, da flora, das rotas para todo tipo de tráfico. Soma-se outras tantas “reservas” cujos processos de demarcação se arrastam por décadas.
Culturas e tradições milenares hoje se veem acuadas, em redutos cada vez menores, sofrendo os impactos do desmatamento desenfreado, do assoreamento no leito dos rios, do mercúrio que contamina a água e os peixes. Toda uma cadeia alimentar ameaçada pela ganância.
O garimpo foi a atividade que mais cresceu nos últimos anos. Tanto os legais, cuja licença fora concedida por órgãos públicos, como os ilegais, que atuam na “calada da noite”, ou mesmo durante o dia, na imensidão de silêncio da selva, só quebrado ao som da motosserra.
Conflitos se amontoam, pessoas desaparecem, crimes ficam sem esclarecimentos. É desafiante sobreviver em uma terra em que o aparelho estatal não se faz presente, se não por uma linha imaginária sobre um simplório mapa.
Tal como nas grandes cidades, nos bolsões e cinturões de pobreza, nas periferias, criminosos marcam posições na ausência do Estado e de seu aparato, que deveria garantir a proteção, a segurança, a saúde, a comida, a paz, a vida.
Os órgãos de fiscalização da Amazônia legal estão com estrutura desmantelada e equipes reduzidas a cada nova baixa, seja em razão da aposentadoria, seja pela força da bala que faz tombar os guerreiros defensores da mata: Chico Mendes, Dorothy Stang, Dom Philips e Bruno Pereira.
Diante da crise instalada há décadas, podemos dizer séculos, os povos indígenas parecem buscar nos céus o socorro de que precisam. Yebá Bëló, Wanadi, Tupã e mesmo o Deus cristão, para aqueles já convertidos.
Preservar os índios é preservar nossa identidade nacional, nosso passado, nossa raiz. Ainda resta tempo e esperança para devolvermos uma vida com o mínimo de dignidade aos primeiros povos deste chão.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.