*Por Osmar Gomes dos Santos
O Brasil é um país cheio de expoentes nas mais diversas manifestações artísticas. Talentos afloram todos os dias na pintura, literatura, música, teatro, cinema. O brasileiro tem no sangue a irreverência capaz de transformar em obra prima um sopro de improviso.
Em meio a tantos talentos, existem aqueles que reputo estarem em um andar acima, uma espécie de categoria superior, lugar não reservado, mas conquistado por por celebridades cujas trajetórias os consagraram alcançar. Como uma espécie de Olimpo das artes.
Milton Nascimento é um desses gênios … Artista acima da média. Mesmo com uma infância difícil e cheia de reviravoltas, como de tantas outras que vivenciou; as instabilidades de meados do século passado. O Bituca, como era chamado. Ele venceu!
Carioca, ficou órfão de mãe aos dois anos. Foi morar com a avó em Juiz de Fora. Sendo, logo depois adotado por um casal, que o acolheu e deu-lhe um caminho seguro para trilhar. Sempre ligado à música, formou algumas bandas na adolescência, que serviria de ensaio para voos mais altos.
Até tentou enveredar pela Universidade, nos caminhos da Economia, no entanto, a paixão pela música foi decisiva. Entre altos e baixos, já em São Paulo, conheceu a já consagrada Elis Regina, que gravou a “Canção do Sal”, primeira letra do compositor que fez sucesso.
Daí em diante as porteiras se abriram. Participou de festivais, onde se destacou e lançou carreira solo. O carro-chefe do primeiro trabalho foi a música Travessia, que batizou o primeiro álbum do compositor e cantor. Na carreira, Milton ganhou vários prêmios, dentre os quais quatro Grammys.
Travessia é uma canção de letra profunda, que carrega toda a mineirice do Grande Sertão Veredas, do escritor João Guimarães Rosa. Com poesia, canta o sofrimento e a angústia de um amor que se foi. Traz, também, versos inteligentes e sutis, com críticas à ditadura.
Assim como Travessia, tão atual após seus 55 anos, Milton atravessou épocas com suas composições encantando gerações. Coração de Estudante marcou um tempo, a transição para a democracia, sendo uma das músicas adotadas pelo movimento Diretas Já.
Tenho essa em especial porque ela marca minha juventude de uma forma peculiar. Sua letra sublime cheia de significados me transporta para momentos em que o Brasil voltava a respirar os “ares” da liberdade, em que o povo podia novamente sonhar.
Esta semana li sobre aquela que seria a última apresentação de Milton Nascimento, realizada no Estádio Mineirão, em Belo Horizonte. Aos 80 anos, o artista decidiu encerrar na terra onde tudo começou. Li aquela notícia com tristeza, mas confesso, um certo saudosismo.
Recordei-me de tantas outras composições e interpretações, como Sentinela, Clube da Esquina, Maria Maria, Caçador de Mim, Canção da América, Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor. Cantou a alegria, a esperança, amor, cantou o Brasil.
Em sua vida plena, Milton conseguiu ser o que poucos artistas conseguem: completo. Compositor, intérprete, instrumentista, ativista político, humano. Assim como outros de sua categoria, enfrentou o regime de exceção sem armas.
Cantou a esperança de um povo que voltava a sonhar. Nessas sucessões que a vida nos traz, nada como rememorar a letra que marcou uma época. “Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia e há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”.
Do alto de seus 80 anos de vida, nosso gênio parece “pendurar o violão”. E já tomando pelo trocadilho, com ousadia, ponho-me a discordar de Oscar Wilde sobre quem imita quem, a arte ou a vida. Certo é que vida e arte se misturam, num único ser: chamado Milton Nascimento.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense drela Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.