*Por Osmar Gomes dos Santos
Gostaria de começar dizendo que vivemos no país das maravilhas, dada as riquezas, abundância e calor humano como visto em poucos lugares do mundo. Mas da mesma forma que nossas qualidade sobressaltam, também o fazem nossas mazelas.
Constatei recentemente, pela televisão, uma situação que me chocou, embora seja corriqueira em todo país. Após meses de espera, um idoso conseguiu marcar a sua consulta, mas esta era apenas a primeira etapa de sua peregrinação, pois ainda havia pela frente quase seis meses para que a consulta aconteça de fato, início de 2023.
Tal situação causou espanto por dois motivos. O primeiro, é que não podemos tomar como normal tal fato em um país que, na teoria, possui um dos melhores sistemas de saúde. Segundo, é que a morosidade da espera e o prazo ainda mais longo para a consulta é algo que foge a qualquer razoabilidade.
Fiquei a imaginar o que será deste mesmo idoso caso venha a necessitar de alguma intervenção cirúrgica. Qual não será o tempo ainda por aguardar para que tal intervenção se concretize e devolva a ele a saúde plena. Quanto tempo terá se passado? Terá ele todo esse tempo?
Estabeleci um paralelo com nossa realidade cotidiana. Vi que o brasileiro enfrenta fila até para nascer, quando as mães, a depender da prioridade, entram na fila para que possam dar a luz. Começa aí a jornada que o acompanhará, muito possivelmente, por toda a vida.
Logo vêm as filas para as vacinas, mesmo tendo um dos melhores sistemas de vacinação do mundo. Ainda na tenra idade, o pequenino ou a pequenina entrará para uma fila de vagas para ingresso nas creches e escolas da rede pública de educação, em alguns casos, até na rede privada.
As filas para atendimento, consultas, exames e procedimentos médicos também chegam cedo. Não podemos esquecer que há fila também para receber alguns medicamentos distribuídos pelas redes públicas de farmácias. Ainda falando de saúde, a pessoa poderá se deparar com uma longa e demorada fila para receber um órgão em doação.
Tal situação remonta um quadro cuja conta não fecha. Todos os anos, centenas de milhares de pessoas perdem a vida por motivos diversos, grande parte são de doadoras. Noutra ponta, há pessoas necessitando de um órgão para que possa seguir vivendo, mas o tão esperado telefonema não chega.
Sem trocadilhos, situação muito similar à da doação é a da adoção. O cadastro nacional, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, mostra que quase 4 mil crianças aguardam uma nova família, dentre as mais de 33 mil que pretendem realizar a adoção. Crianças que continuam na fila.
Não posso deixar de fazer mea-culpa sobre o Judiciário, que tem investido e avançado no aprimoramento dos serviços, mas que, devido à complexidade de todo sistema de Justiça, também já foi alvo de críticas pelo tempo na espera de solução das lides. Estamos progredindo, fazendo, cada vez mais; bem e depressa, como diz o lema atual.
Não bastassem as filas que nos fazem perder tempo em pé, existem, agora, as filas virtuais. Mais uma novidade advinda com a modernidade. Esperamos dezenas de minutos, algumas vezes mais de uma hora, pelo atendimento via telefone ou chat. A lei diz que não pode ultrapassar um minuto.
Tem filas das quais não podemos fugir, isso é fato. Elas existem para regular relações no dia a dia e assegurar o ordenamento entre os comuns. São as filas das portas das escolas, do supermercado, da padaria ou da farmácia, por exemplo. Todavia, precisamos respeitar, pois são contratos sociais firmados e aceitos.
Por outro lado, há filas que precisam ser eliminadas em definitivo, a exemplo das filas bancárias, da perícia do INSS. Mais do que expor o Brasil ao mundo, submete as cidadãs e os cidadãos de um país com altíssima carga de impostos a situações no mínimo desumanas.
A solução para tais problemas certamente passa pela formulação de políticas públicas eficazes. A tecnologia já se mostrou grande aliada, daí porque não se justifica um cidadão passar noites em claro nas filas das centrais de marcação de consulta. Serviços essenciais à sociedade já deveriam estar na palma da mão.
Em um país em que as filas parecem se tornar parte do cotidiano, fiquemos com aquelas pactuadas e que contribuem para o bom funcionamento da sociedade. Busquemos, em definitivo, solução para aquelas que asseguram direitos, saúde, vida da população.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.