*Por Osmar Gomes dos Santos
Olho para o lado e já não estás. O silêncio é ensurdecedor,cercado por um vazio que extravasa saudades e traz consigo uma dor que aflora devaneios e pensamentos insistentes para te alcançar. No entanto, já não estás mais aqui.
Momentos. Nos instantes que me restam nesta breve passagem, olho para trás e enxergo lampejos de acontecimentos efêmeros. A clareza com que rememoro alguns desses momentos me remetem ao fogo de uma estrela, cujo brilho persiste mesmo após esvair-se.
Talvez o amor que eu tenha pela literatura se justifique pelas “voltas que insisto em dar” em algumas obras. Ler, reler, voltar às páginas incompreendidas, no desejo persistente de decifrar os enigmas guardados ali. Assim, nos deleitamos numa boa literatura, e novas descobertas ao regressar.
No livro da vida, no entanto, é impossível o retorno para reviver os prazeres que a leitura traz à cada palavra que nos alimenta.
Somos obrigados a seguir! Páginas viradas não trazem o recurso da releitura. É um livro que só se lê uma vez. O tempo é inexorável. A diferença, todavia, é que concomitante ao que se lê, é possível ser, também, personagem. Autor das próprias ações, escrevemos nossos enredos que vão embalar a trama que se desenrola, ora suave, ora apressada, na linha do retilíneo tempo.Tempo, este que não volta.
Pudesse transcender as leis, físicas ou divinas e ter a oportunidade de regressar uma página apenas, neste livro da vida, certamente escolheria aquela que pudesse me transportar para seu lado e poder reviver cada letra, sílaba, palavra em uma oração. Oração na qual não caberia um período simples, pois é tamanha a intensidade. Noutra via, jamais suportaria qualquer coordenação, visto que a chama ardente da insubordinação não caberia nos modelos padronizados da mais culta gramática. Por falar em gramática, ousaria mudá-la, reinventá-la. Traçaria construções de um presente mais que perfeito, na esperança de viver em um eterno futuro do presente.
Imortal? Apenas um título dado a quem ousou desafiar um pouco mais no emaranhado de nossa rica Língua Portuguesa. Condição essa, entretanto, que não me outorga poderes para realizar os desejos represados a um regresso impossível.
Limito-me, pois, aos poucos rascunhos que, pelo menos em pensamento, me transportam para o mais próximo que posso eu estar dela neste momento.
Lembranças. Desafio que enfrento até que as lágrimas já não consigam mais lutar contra a lei da gravidade. Assim como o tempo, essa é mais uma ordem inexorável.
Como um vulcão, que transborda o que já não suporta mais em si, coloca-te a rolar, pequena lágrima; segue teu curso até desfalecer, até onde tua capacidade de resiliência permitir alcançar, pois não te enxugarei.
Lembra-te, pequena lágrima, que não voltarás. Por isso, por onde passares, rega de esperança o solo de uma face sofrida com as dores deixadas pelo tempo. Aduba uma terra quase infértil e revela minh’alma frágil, solitária e cheia de desassossego.
Assim como as páginas viradas no livro da vida, tu já não regressas mais. Esvaiu-se. Fazes parte agora do que já foi, mas carrega na memória, também, um pouco do que virá quando a saudade insistir em bater.
Isso me conforta e traz a certeza de que as boas lembranças são, na verdade, partes daquilo que foi vivido intensamente.
Escrevemos a vida traçada em versos, ora com uma retidão e objetividade parnasiana, ora carregada com o romantismo descompromissado que nos abstraia de uma realidade muitas vezes perversa.
Livro da vida. São tantas as páginas escritas que rapidamente podemos formar uma enciclopédia de fatos vividos. Um livro que pertence a cada um, no seu âmago, com suas alegrias e tristezas. Com suas inquietações próprias, sempre ao seu tempo e sem a ele voltar.
Já não está mais aqui e o tempo já não pode voltar. Rebelde esse tal de tempo, que insiste em seguir apenas em uma direção. Mas sigo adiante, pulsando, insistindo em driblar, ludibriar, quem sabe até enganar a linha ao infinito e pegar algum atalho de retorno em minhas lembranças que continuam a divagar.
Insiste esse tal tempo em me fazer viver um dia de cada vez. Mas contrariando a retórica, que se vincula a uma condição imutável, insisto em viver, verbo carregado de significado que vai para muito além do estar vivo.
Decidi, há muito, tomar na mão a caneta e um punhado de papel no qual escreveria a história de minha vida, sem narrativas. Pelo menos naquelas poucas folhas que ainda me restam. Inexorável tempo! Ouso desafiar a tua lei natural e sigo minha escrita, sempre em primeira pessoa.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.