*Por Osmar Gomes dos Santos
Quem me acompanha conhece um pouco da minha trajetória de vida, cuja história se confunde com a de milhares de maranhenses que até os dias atuais deixam suas cidades para buscar vida melhor na capital, porém não é sobre essa fase que me reporto nesta crônica.
Dos vários ofícios que tive, fui advogado por um bom período. Inicialmente, militei na esfera criminal, percorrendo os corredores acanhados do Fórum Desembargador Sarney Costa, obra suntuosa para a época, mas que hoje é carinhosamente chamado de “Forinho”.
Eu era um jovem advogado. Havia acabado de concluir o curso de Direito na Universidade Federal do Maranhão – UFMA, em dezembro de 1986. A carteira da Ordem dos Advogados, a qual ostentava com orgulho, recebi em março de 1987.
Nesse período, pude observar o quanto é tormentoso o caminhar inicial para um advogado.
Lembro-me muito bem quando fui pela primeira vez ao Fórum Desembargador Sarney Costa despachar um processo com o juiz presidente do feito. Assim que cheguei, não demorou, fui anunciado, entrei e o cumprimentei. Tratei do assunto com um magistrado gélido, indiferente à dor do outro e pouco interessado no cumprimento do seu ofício. Estava de cabeça baixa e assim permaneceu até a minha saída. Nada pronunciou, sequer um gesto, muito menos um olhar.
Saí do gabinete atordoado. Naquele dia, fui embora do Fórum sem entender nada e com uma vontade enorme de desistir dessa profissão. Já casado, com esposa e filho para sustentar, familiares também pobres, que tinham em mim a porta da esperança, refleti bastante sobre que decisão tomar.
Decidi que essa teria sido a senha para que eu continuasse e seguir firme nessa bela e honrosa profissão, afinal de contas, foi Deus quem me permitiu esse avanço. O que seria uma cabeça baixa para quem tinha certeza de que a vida lhe virou as costas? De mais longe eu já tinha vindo!
Sob outros contextos, posso dizer que não guardo apenas episódios tristes dessa caminhada. No exercício das minhas atividades tive também outras boas experiências e exemplos que deram sustentação para seguir e aplicar, inclusive nos dias de hoje.
Após algumas andanças advocatícias entre diversas unidades fui aprovado em seletivo para trabalhar como advogado da maior Instituição Financeira da América Latina: o Banco Bradesco S/A, na qual dez meses após ingressar fui conduzido ao cargo de Advogado-Chefe do Departamento Jurídico da Regional Maranhão e Piauí.
Agora nos escritórios, mas ainda envolto nas papeladas, atuava na área do contencioso, responsável pela defesa de todo o grupo financeiro de empresas do conglomerado Bradesco.Não havia a tão comum especialização dos dias atuais, razão pela qual eu laborava nas áreas trabalhista, cível e criminal.
Tenho boas lembranças, como uma bastante especial, que marcou o início da minha caminhada na instituição. Foi na Justiça do Trabalho, em Bacabal, na recém inaugurada Junta de Conciliação e Julgamento. A unidade era presidida pelo juiz ANTERO, um cearense que merece ter o nome escrito com todas as letras maiúsculas.
Tinha acabado de assumir o cargo de advogado do Bradesco, era uma segunda-feira; já na quarta estava eu em minha primeira audiência na região do Mearim. A missão era desafiadora, afinal estava comigo a responsabilidade de defender a maior instituição financeira privada da América Latina. Tremia mais que “vara verde” diante de um advogado experiente, que defendia os interesses dos reclamantes. Sendo isto percebido pelo magistrado, ele tratou de fazer uma pausa e se dirigiu a mim:
– Doutor Osmar, vejo que você está em início de carreira, pelo aparente nervosíssimo, isso é natural, fique tranquilo e não se preocupe. Esta audiência é para tentar uma conciliação, inclusive, já tendo as partes proposto um acordo justo diante do caso.
Doutor ANTERO retomou a audiência e se dirigiu à parte autora na tentativa de buscar o aceite dos termos do acordo, sendo prontamente atendido pelos reclamantes. Selamos ali um acordo, prontamente homologado. Saí dali com mais um aprendizado. O meu comportamento foi de humildade. Imediatamente agradeci pelo gesto de humanidade e pelo ensinamento que serviu de norte para toda minha vida profissional. Mesma atenção e tratamento que carrego até hoje para com todos que à minha porta batem.
As portas de meu Gabinete estão abertas para todo(a)e qualquer advogado(a),com especial atenção para os jovens. Mas também para cada José, Maria, João, Ribamar. “Meu” espaço não é “meu” se não “público” antes de tudo.
Qualidades que trago dessa longa jornada da vida, que exige enxergar o outro com respeito e simplicidade. Ouvir a dor de quem fala; prestar os esclarecimentos devidos e orientar quando cabe, sem jamais comprometer a imparcialidade do Juízo.
Certa vez fui incitado a dar um conselho aos jovens advogados, por oportunidade deste espaço, estendo um pouco mais em minhas recomendações: estudem muito o conteúdo de seus processos; todos os procedimentos de um ato processual, a exemplo de uma audiência de Instrução e Julgamento; compreendam o requerimento e a tomada de depoimentos pessoais das partes e das testemunhas. Da mesma forma, o ato de testemunhar; de intimar; o dever de apresentação da testemunha em banca, seja a audiência presencial ou virtual. Analisem previamente quais são os pontos controvertidos da demanda e qual o debate que realmente interessa para o deslinde da causa; vejam o momento da arguição da contradita e quem deve ser contraditada e estejam sempre preparados para a eventual alegação oral, preferindo os memoriais para melhor defesa do seu constituinte. Por fim, sigam com cabeça erguida e com determinação diante das adversidades que a caminhada poderá lhes impor. Poderão existir cabeças baixas, assim como ouvidos desatentos, ou até mesmo a indiferença.
O que jamais poderá existir de sua parte, jovem advogado, é a sua indiferença para com a causa que lhe foi confiada.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.
Essa trajetória se confunde com a de vários jovens advogados desse país! A leitura dessa crônica conseguiu despertar na minha memória diversas situações bem parecidas, que, boas ou ruins, me fazem prosseguir com muito orgulho do meu ofício de advogado! Uma procuração assinada significa uma honrosa responsabilidade, que merece a máxima dedicação!
Lhe parabenizo por essa homenagem e conselho aos advogados (sobretudo os jovens!), e agradeço pela humildade que, desde aquela primeira audiência como advogado, nunca diminuiu! Muitos, ao atingir o ápice da profissão, esquecem que ‘de mais longe já vieram’. Não é o seu caso! Um abraço!
Caro amigo e irmão Dr. Osmar, conhecendo a sua trajetória tão bem quanto foi narrada, uno-me ao seu propósito de transferir aos jovens advogados o espírito, o sentimento de luta e altivez que deve nutrir o advogado, na defesa dos seus constituintes. Vale dizer: “A advocacia não é profissão de covardes”. Um forte abraço!