*Por Osmar Gomes dos Santos
É triste que no Brasil do século XXI ainda tenhamos que debater, ferrenhamente, o tema assédio sexual. Herança cultural? Falta de educação? O somatório de ambos, talvez.
Fato é que o assédio existe, está aqui, lá, acolá. Nas festas públicas, nos domicílios, nas academias, nos supermercados, no barzinho, nos ambientes virtuais. Mas o episódio mais recente e de grande repercussão chamou atenção para outro espaço: o corporativo.
Nas organizações, a situação se torna ainda mais grave quando ocorre no chamado alto escalão, como no caso do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães. Quem deveria dar o exemplo, toma o caminho errado.
Não estou aqui a antecipar julgamentos, embora pareça já existir um robusto conjunto de elementos capazes de fundamentar uma denúncia. Certamente, caberá às autoridades competentes, dentro do devido processo legal, levar a cabo o julgamento.
Fato é que, trazido à tona esse acontecimento, precisamos debater a respeito. Isso porque, pelo teor do que fora publicado na mídia, não foi a primeira vez que Guimarães teria adotado conduta inapropriada com colegas de serviço.
Essa recorrência, aliada à falta de denúncia, não apuração dos fatos e devida punição, desde que comprovada a veracidade, somente reforça uma cultura de coisificação da mulher por nós homens. Diante da lacuna, um ato que poderia ser isolado se consolida, o assédio passa a ser recorrente.
Não à toa que quando denunciado um caso de assédio, ele costuma vir acompanhado de alguns outros. Mulheres que por anos ficaram caladas, mas que diante de uma voz corajosa, decidem também levar ao conhecimento das autoridades o abuso sofrido.
Falo de homens no papel de assediadores e mulheres como vítimas porque são os papeis que figuram em 99% dos casos. Se algum homem quiser discordar e jogar a primeira pedra, o debate é livre.
Mas, antes de tudo, temos que reconhecer que vivemos em uma sociedade machista, patriarcal, na qual há cerca de um século a mulher não passava de um “objeto” para saciar os desejos sexuais do macho da casa. Além disso, cabia-lhes cuidar da casa e dos filhos.
A figura da mulher no ambiente de trabalho, apesar de hoje parecer tão normal, é recente e ainda gera muitos atritos e manifestações, no mínimo, não adequadas nas relações sociais. Estereótipos trazidos de nossos antepassados por transmissão cultural e da qual nós, homens, não fazemos questão de repensar.
Deveria ser tu, mulher, ou mesmo qualquer outro, independente de classe, credo, cor, gênero, escolhas, apenas mais uma colega de trabalho. Impossível? Não, absolutamente! Deve ser, inclusive, a regra.
No ambiente de trabalho, ou qualquer outro que possibilite a criação de laços entre pessoas, independente de gênero, a regra que deve prevalecer é sempre a do respeito e do espírito colaborativo para o bem comum. A linguagem não pode ser a do poder, como era comum até boa parte do século passado.
Nunca é demais lembrar que as vítimas de assédio podem acumular sequelas, danos físicos e emocionais profundos. Em muitos casos, há perda da capacidade laboral, adoecimento e até demissões, muitas das quais os motivos nunca foram ou serão elucidados.
A falta de punição contribui para o agravamento do quadro, daí porque a importância e necessidade de denunciar o abuso.
Decerto, somos seres sociáveis, homens e mulheres podem se relacionar, a amizade evoluir para algo mais afinal, é assim que os namoros começam, as famílias se formam. Um olhar, um sorriso, um convite para um cinema ou um jantar é mais do que normal. Se amizade ou namoro, o tempo dirá.
O que não se pode é tornar natural práticas que extrapolam o flerte, que não respeitam limites, que constrangem, que se aproveitam de suas posições para levar alguma vantagem sexual sobre as mulheres, muitas delas casadas. Práticas que dividem o mundo entre predadores e presas.
Mulheres, empoderem-se cada vez mais. Faça valer seu lugar de fala, seu espaço a duras penas conquistado. Não baixe a cabeça ou a voz para atrocidades cometidas por algozes covardes, que somente conhecem a força da lei para impor um basta em seu comportamento destrutivo.
Não é não é mais que um clichê. Virou uma regra de conduta moral e social, que, se quebrada, não pode haver outro caminho se não o da publicização. Assédio é caso sério. Nunca será apenas uma brincadeira ou mal entendido. Denuncie!
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Escritor; Cronista; Poeta. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.