*Por Osmar Gomes dos Santos
A vida simples num barraco, bem pregado com madeira, ou mesmo numa casa de taipa, coberta de folhas de coqueiro. Um telhado nada seguro, já denunciado pela goteira.
Na janela um pano barato, muitas vezes um plástico, quebrava a brisa fria da noite e a chuva de vento que teimava querer entrar. O colchão era a esteira, por onde deitavam três, quatro ou cinco, praticamente no mesmo lugar.
Sem tramela era o portão, quando havia para ser trancado. Da vida na roça difícil na Enseada Grande ou sob a palafita na cidade, em meio à escuridão. Nem lá, nem cá, havia vermelhão no cimentado, pois de barro ou madeira era o chão, mas estavam lá a luz de vela e o lampião.
Uma andorinha de louça dava enfeite à parede, de barro ou de restos de madeira. No filtro de barro água salobra, a única que tinha para matar a sede. Pesada realidade, aliviada com boas doses de animação que a rua trazia.
Soltar pipa nos barrancos ou descer desatinado, brincando de bola ou pique-esconde. Em qualquer pirambeira, era a rotina alegre, não faltava brincadeira. Pegar jaca, colher jambo e atirar pau na manga madura, uma atitude disfarçada de alegria para acabar com a fome dura.
Mesmo sendo tão carente, simplesmente eu fui feliz. Por entre caminhos da mata, por becos e vielas de palafitas, que formaram uma das mais antigas favelas de São Luís. E existe este lugar, que é bom de morar. Apesar de não ter morro, fica ao lado do mar.
Como é bom te exaltar, sou tua raiz, seu nome é favela, cresci dentro dela e sou muito feliz. Lembro do nosso velho barraco, vida social em descompasso cujos passos caminhava até a pingueira. Lá voltava o menino, pés no chão, corpo franzino e lata d’água na cabeça.
Nas ribanceiras da vida, o carrinho de rolimã carregava os sorrisos daqueles que ousavam romper com a dificuldade para se permitirem ser felizes. Ainda que por um instante. Bola de gude, pião e atiradeira, eram outras atividades, depois de uma manhã de domingo a vigiar carros na feira.
Gorjeta suada, pouca, mas bem-vinda sempre. Os poucos centavos juntados para poder comprar um pão, noutras oportunidades, inteirava o feijão. Entre um carro e outro, lá estava eu em disparada atrás de um doce de São Cosme e São Damião, como toda criança peralta.
Este artigo é inspirado na canção “Meandros da ladeira”, do cantor e compositor carioca Renato da Rocinha. A letra parafraseada é profunda e se aplica à dura realidade de tanta gente aos quatro cantos deste Brasil.
Com todo respeito à maior favela do país, não podia deixar de exaltar aquele canto da minha Ilha onde tantos anos fui feliz. Salve a Ilhinha e as suas lindas cores, pincelando mil amores, frutos da recordação.
Viver com intensidade deve ser um propósito de vida, em qualquer circunstância. Do alto do morro, em palafitas, nas casas de taipa. A realidade pode ser dura, mas por ela só passa quem vive e viver é dádiva maior que temos.
Mudar essa realidade cabe a cada um, mas sem nunca perder a essência da simplicidade. Esta semana dedico a leitura para aqueles que apreciam uma vida simples, aos que passaram por muitas dificuldades, mas sagraram-se vencedores. Aos que souberam tirar do lado difícil da vida a inspiração para seguir.
Das brincadeiras de moleque ao trabalho duro para ajudar no sustento do lar, o balde carregado com pão cheio, que vazio voltava da movimentada Magalhães de Almeida. Fases da vida que trazem memórias marcantes de uma infância ao mesmo tempo ingênua e cheia de responsabilidades domésticas.
Como passar por tudo isso? Bom, hoje posso responder apenas uma coisa: vivendo. O resultado da caminhada dependerá de cada passo a ser dado em um caminho cheio de armadilhas, dissabores, mas também de alegrias, esperança, fé, conquistas.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Escritor; Cronista; Poeta. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.