A última edição do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, trouxe luz a uma escuridão profunda, que deixa às margens milhões de brasileiros. São pessoas sem nome, sem sobrenome, sem direitos, sem a Certidão de Nascimento.
Uma dor que só sente quem passa, muitas vezes silenciosa, sob a cortina da vergonha, não vista pela maioria da sociedade. Sem a Certidão, uma multidão de brasileiros ainda vive uma vida totalmente paralela, alheia a qualquer rede de assistência.
O problema existe e a solução também. Garantir o Registro Civil de Nascimento para todos é um dever do Estado nação, é um compromisso que deve ser assumido por todos os gestores públicos.
Embora pareça inaceitável tratar um tema aparentemente tão básico e simplório em pleno século XXI, precisamos entender que ele existe, uma tragédia social com impactos muitas vezes irreversíveis. Cerca de 3 milhões de brasileiros sem o documento básico de cidadania.
O título deste artigo, pelo menos no Maranhão, mostra muito além do que um mero desejo. O Estado, que por um lado ainda beira números de desenvolvimento humano ainda rasos, nos últimos anos deu um salto na diminuição do sub-registro, que, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, são aquelas crianças nascidas vivas e não registradas até o terceiro mês do ano seguinte.
Parte desse avanço vem graças ao Poder Judiciário, do qual já não se pode esperar uma atuação fechada somente em sua missão precípua. Estamos, membro que sou da Justiça e me incluo, em diversas frentes de batalha por uma sociedade mais justa e igualitária.
A Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão, em especial, tem se empenhado na mobilização de atores sociais para combate permanente ao sub-registro de nascimento. Uma das principais ações nessa linha de frente constitui a instalação de unidade interligada de registro civil.
O serviço, previsto em lei federal (12.662/2012), bem que poderia se chamar unidade da cidadania, uma vez que é a porta de entrada para uma vida de direitos e de acesso a serviços básicos de saúde, de educação e de toda rede de assistência social.
Aquela luta que pareceu acanhada em seu princípio, agora começa a ganhar efetividade e contornos mais robustos. De repente, o Brasil volta os olhos ao Maranhão. Em pouco mais de um ano, o Estado saltou de 6 para mais de 70 unidades instaladas, graças ao empenho do Judiciário.
Nos últimos quatro meses, foi a unidade da federação que mais avançou nessa política, em números de unidades instaladas. Após sucessivas quedas, a última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2020) revelou novo declínio, de 6,4 para 4,7% o índice de sub-registro.
Mais ainda é possível fazer mais e o Maranhão segue no caminho certo. Precisamos de um empenho ainda maior por parte dos gestores municipais? Natural que sim, inclusive porque, ao contrário do que alguns ainda possam imaginar, a instalação de uma unidade interligada não remete a gastos financeiros, mas tão somente a ganhos sociais.
Até me arrisco ir além e fazer o papel de advogado da cidadania ao afirmar que todo e qualquer eventual investimento retorna de forma multiplicada. O registro de cada cidadão impacta na quantificação correta da população, o que garante incremento, no médio prazo, no Fundo de Participação dos Municípios.
Outro retorno direto vem por meio do Sistema Único de Saúde, que passou a considerar, também, para fins de repasses, o número de pessoas cadastradas no Sistema. Parece óbvio concluir que para se cadastrar é necessário um CPF, que só é possível mediante uma Certidão de Nascimento.
Sistema de saúde este que também retribui por procedimento e que possibilita um aumento de ganho quando da realização de um parto se este vem acompanhado do Registro Civil feito ainda na maternidade.
Por falar em acesso a serviços, a verba do Fundeb também leva em consideração a quantidade de crianças matriculadas na educação básica. Quanto mais crianças, mais verbas o ente federado pode perceber para manter o atendimento com qualidade. Mas o que a criança precisa ter para efetivar sua matrícula? Exato, a bendita Certidão.
Se estes já não parecem ser ganhos suficientes, trago mais um que está acima de todo e qualquer outro, não em termos de valores econômicos, mas valores humanitários. Garantir a cidadania, cujo primeiro passo é o direito de ter um nome, deve ser o objetivo perseguido pelo gestor público, em todas as esferas.
Faço votos que continuemos nessa caminhada de cidadania, tirando pessoas da invisibilidade e trazendo luz para quem caminhava na escuridão. João, Maria, José, com nome e com sobrenome, é um direito de todos nós. À propósito, muito prazer, Osmar Gomes dos Santos.
Osmar Gomes dos Santos. Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.