Quem me acompanha semanalmente sabe do tino eclético que tenho e das posições firmes que assumo sobre assuntos do cotidiano. Dentre outros temas, tenho o prazer de instigar a reflexão sobre a democracia, assim como tenho grande apreço pelo futebol.
Eis que nessas duas searas acontecimentos recentes me puseram a pensar demasiadamente sobre o diálogo que gostaria de propor agora. O primeiro é pela passagem dos 90 anos do multicampeão Zagallo, enquanto o outro leva-me a além-mar, rumo ao oriente para falar do retorno do regime Talibã ao comando do Afeganistão.
Reservo, com todo respeito ao Velho Lobo, as próximas linhas para falar da crise no oriente. Forte e vigoroso como sempre fora, e considerando estar em tempo de qualquer homenagem, deixo para falar do verdadeiro pentacampeão em outra oportunidade.
A questão político-religiosa que atinge grande parte do Oriente Médio é antiga e de tempos em tempos ganha contornos mais agudos, em razão de um ou outro acontecimento. Conflitos internos, guerras com países do Ocidente levaram nações inteiras a décadas de retrocesso em todos os aspectos, especialmente nos direitos humanos.
Poderia citar uma enorme lista de países, mas menciono como exemplos mais recentes Irã, Iraque, Síria, Líbano e agora Afeganistão. Segmentos inteiros, que não aprenderam a conviver com posições diferentes das suas, levaram essas nações ao caos permanente e ao suicídio desenvolvimentista.
Especialmente no Afeganistão, o grupo radical que retomou ao poder possui uma visão peculiar dos textos bíblicos. Aceitar e imprimir de forma totalitária uma linha religiosa não apenas é inaceitável como vai de encontro à doutrina das escrituras sagradas. O islamismo não é o que vemos pelas telas de TVs e smartphones nos últimos dias.
Sob a cortina religiosa, grupos radicais aproveitam para impor uma forma totalitária de se manter no poder e controlar a cadeia de produção local, onde o grande destaque é o petróleo. É, em grande parte, o ouro negro que alimenta as ambições e coloca a ganância acima dos interesses da coletividade.
Pessoas comuns, notadamente mulheres e crianças, mas também homens, são compelidos a rezar uma cartilha que nada tem a ver com aquela deixada pelo profeta. Subjugados a um regime perverso, são obrigados a seguir costumes travestidos de valores religiosos que já não cabem mais no mundo moderno.
Até mesmo os países mais conservadores, do ponto de vista estritamente religioso, tem evoluído no sentido de assegurar direitos aos seus cidadãos e cidadãs, sem que isso deturpe ou enfraqueça a religião. Trabalhar, estudar, fazer escolhas, deveria constituir atitudes simples, conduta de um povo que almeja sedimentar caminhos.
O que se assiste nas províncias afegãs é justamente o contrário. Mulheres são acorrentadas, açoitadas, colocadas presas dentro de suas próprias casas, impedidas de viver em sociedade. Praticamente têm sua existência resumida à satisfação aos desejos masculinos e recebem castigos severos se transgridem o que eles entendem como lei.
Sob o rito do Talibã, mulheres não podem estudar, trabalhar, participar da vida pública, ocupar posições de destaque. Os homens controlam tudo com mão de ferro. Em momentos como este, infelizmente, vemos muitos críticos de oportunidade e conveniência mundo afora se calarem.
As cenas que chegaram aos quatro cantos do mundo na última semana são estarrecedoras. Aeroportos lotados, pessoas sendo assassinadas, outras tentando parar aviões e até mesmo se abraçando ao trem de pouso das aeronaves.
Vimos mães entregarem seus filhos para soldados ocidentais, a fim de que eles não tenham sequestrados seus sonhos e quem sabe possam ter uma vida melhor além dos muros da prisão ideológica. Atitudes desesperadas de quem já viveu a crueldade do regime e teme que todo pesadelo se repita.
A conclusão não é apenas minha. A comunidade internacional assiste atônita a crise humanitária que se instala no Afeganistão. A Organização das Nações Unidas considera o Afeganistão como o terceiro país no globo com maior número de refugiados fora de suas fronteiras e a tendência é uma agravamento do quadro. É impossível viver ali.
O assunto precisa ser discutido. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de caráter integral, estende-se sobre todo o globo e dita princípios a serem seguidos para que a humanidade alcance a paz em plenitude.
Com forte inspiração nos movimentos revolucionários do século XVIII, especialmente os franceses e norte-americanos, defende a igualdade, a liberdade e a fraternidade. Coloca todos e todas como comuns, sem distinção de sexo, gênero, cor, etnia, classe, casta, crença. Iguais.
Ideais que guiaram tratados, pactos, constituições além fronteiras, assegurando liberdades de expressão, locomoção, escolhas. Tudo isso com o fim de alcançarmos uma paz universal, que é possível a partir de mudanças de concepção.
O princípio basilar, na minha concepção, é o respeito ao próximo como ser humano. Se passarmos a olhar o outro sob essa perspectiva, teremos avançado mais da metade do caminho para alcançar o objetivo comum, que é a tão almejada fraternidade.
As nações ditas mais moderadas, sem querer impor qualquer pensamento imperialista, precisam dialogar e intervir para que o bom senso e o respeito à dignidade da pessoa humana possam prevalecer. Homens de bem precisam se unir, homens de bem precisam fazer algo para que o mal não vença.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras