Em alguns escritos anteriores, que a essa altura já ficaram amarelados nas páginas dos periódicos em alguma prateleira, discorri sobre o maranhense Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo como um homem visionário. Daqueles que pela obra e conduta social merecem reconhecimento de toda sociedade.
Nesta semana, tivemos a oportunidade de comemorar a passagem de nascimento desse expoente da literatura brasileira, que no dia 14 de abril completaria 164 anos. Se sua genialidade estivesse em meio a nós em tempos atuais, certamente seria uma referência da literatura mundial, com alguns escritos emplacando sequências de best sellers.
Azevedo está presente na vida de muitos brasileiros, na verdade de milhões, mesmo que a maioria deles não saiba. Grande parte da sociedade, ainda hoje, está entranhada nos escritos que se tornaram essência de uma sociedade para toda posteridade. Uma Lágrima de Mulher, O Mulato, Casa de Pensão, O Cortiço.
Falar do escritor é, em qualquer contexto ou tempo, se lançar no árduo desafio de dialogar com o contexto social, político e econômico que nos cercou há um século, que nos cerca ainda hoje. É, sobretudo, uma leitura reflexiva, que permite ao leitor apreender a realidade para que sobre ela venha a agir.
O cenário da Cidade do Rio de Janeiro ao fim do século XIX, formava um mosaico social um tanto intrigante e farto de acontecimentos sociais. O Mulato foi a obra de abertura na nova crítica social, que inaugurou o Naturalismo no Brasil. A crítica social ácida, ganhou contornos mais expressivos com O Cortiço, denotando o modo de vida e os costumes, ainda tão presentes em nossa atual sociedade.
Azevedo passa à leitura daquele contexto e retrata em suas obras os vícios da alma humana, as paixões mundanas, o preconceito racial, os tabus sexuais, as relações arranjadas e interesseiras, as precárias condições de moradia dos menos abastados, a vida marginal, a corrupção e a malandragem, berço do jeitinho brasileiro.
Entendo que as duas obras se somam à Casa de Pensão para formar uma espécie de tripé literário, que sustentou o crescimento e o fortalecimento do Naturalismo no Brasil. As obras, cada uma dentro de sua dimensão retratam a vida tal como ela é, nos moldes do que mais tarde viria a afirmar Nelson Rodrigues. Sem aqui querer estabelecer qualquer relação com os escritores.
Foi a voz de minorias, ainda que juntas representassem a maior parcela da sociedade, formada por negros, prostitutas, pobres e oprimidos. Todos marginalizados, invisíveis, mas não para Azevedo.
Tão grande era sua sensibilidade para as questões sociais, e obviamente somada ao seu intelecto e formação, praticamente abandonou a literatura, vindo a se dedicar mais à Diplomacia, tendo representado a nação em diversos países, até se erradicar na Argentina, onde faleceu.
Talvez toda sua genialidade e polidez enquanto diplomata sirva como exemplo para boa parcela de nossos políticos atuais. Talvez seus ensinamentos políticos contribuam para ajudar a recolocar o país nos trilhos. Quiçá sua visão aguçada, de uma sociedade que clama por melhorias, ajude os representantes da nação a enxergar as mazelas que ainda persistem.
Seguiu a ordem natural e inexorável da vida, como todos os mortais. Mas, embora tenha partido cedo, ainda jovem, aos 55 anos, a vida intensa e o legado deixado não nos permite lamentar.
Ao tomar contato com sua obra é possível constatar a grandeza de sua inteligência. Ao assumir a cadeira de número 14 na Academia Ludovicense de Letras, patronado por esse gigante da literatura nacional, diante de tão importante contribuição de quem viveu tão intensamente e deixou uma herança inestimável a todos que ousam se debruçar sobre suas ideias, pude entender o significado de imortal.
Assim como não morreu, arrisco dizer que Aluísio de Azevedo talvez não tenha nascido. Ele surgiu e dessa forma permanece. Simplesmente existe. Daqueles fenômenos quase inexplicáveis que acontecem em raros momentos. Uma marca indelével, única, na literatura brasileira. Certamente está no pedestal ao lado de outros grandes nomes, igualmente inexplicáveis.
Azevedo, um homem além de seu tempo, cujas atitudes de vanguarda possibilitaram que seu legado permaneça vivo para a posteridade. Alguém que ousou, rompeu com o status quo, enfrentou os preconceitos e lutou contra o comportamento de iguais que insistiam, e ainda insistem, em cavar um abismo que só nos torna desiguais.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras