Estamos atentos aos movimentos! Essa fala deve e precisa ecoar aos quatros cantos do Brasil, Estado Democrático de Direito, como apregoado em nossa Carta Magna. Tal como estabelecido naquele glorioso 5 de outubro de 1988, o brado da democracia precisa continuar vigoroso, altivo e retumbante, para que jamais esqueçamos os tempos sombrios vividos outrora.
A força das armas não pode estar acima do poder do diálogo estabelecido entre comuns, em uma sociedade fundada no pluralismo, como é a brasileira. Necessário se faz estarmos todos atentos a movimentos que parecem querer caminhar em direção ao obscurantismo.
Aprendi na vida que discurso que se repete pode virar prática. Aquilo que se repete costumeiramente pode virar um comportamento e, posteriormente, se transformar em atitudes concretas. Pensamento, comportamento/conduta e ação. Isso vale para tudo, seja para o bem ou para o mal.
Diante de um momento turbulento na República, eis que um “Salvador da Pátria” surgiu. Mas logo, o pensamento se consolidou enquanto comportamento que deve ser observado atentamente, por não estar em consonância com o status quo da política atual e dos anseios da nação.
Acusações de intervenções para proteção de familiares, pondo em xeque o papel institucional a serviço da nação por parte da Polícia Federal, instituição cuja história remonta mais de dois séculos. Para o bem da sociedade, a PF saiu ilesa do episódio e continua prestando serviço de Excelência ao Brasil.
Não demorou e sobressaiu o comportamento-ação negacionista, levando milhões de brasileiros a adotarem atitudes narcisistas similares, prevalecendo o egoísmo, em detrimento das milhares de pessoas vitimadas diariamente pela Covid-19. Enquanto alguns parecem dançar sobre os túmulos, os números extrapolaram a casa dos 300 mil mortos e continuam a subir aceleradamente.
Aos mínimos sinais de que estava acuado, pelo próprio povo, diga-se, gritou afirmando ser ele o mandatário das forças armadas. Lembrei-me de uma série famosa, em que o personagem fictício Tywin Lannister afirma “todo homem que precise dizer ‘eu sou o rei’ não é um rei de verdade”.
Naturalmente não vivemos uma monarquia, regime no qual o povo é governado por reis ou rainhas, oriundos de linhagem nobre, cujo poder é hereditário. Ainda assim, guardadas as devidas proporções e imperando o sistema de freios e contrapesos do regime político baseado no sistema tripartite, os chefes dos poderes têm, digamos, o seu “espaço de mando”, o que lhe é conferido em razão da estruturação da administração pública em função das prerrogativas do cargo que ocupa.
Soa estranho uma figura que sabidamente tem, constitucionalmente, suas funções fundadas na Carta Maior, bradar ao povo que é mandatário supremo. É? Talvez. Sim e não, vez que devem ser guardados e observados limites cristalizados no texto constitucional sobre tal supremacia.
Ato contínuo, faz agora uma intervenção orquestrada há muito não assistida pela nação. Em ato único, como num jogo de tabuleiro, faz a troca do comando maior das três instituições militares: Marinha, Exercito e Aeronáutica. Sem pestanejar, e à sua própria conveniência, jogou para a reforma as experiências e conhecimentos de mais de quatro décadas a serviço das instituições e do Brasil.
Após traçadas algumas linhas, com o derradeiro desfecho que os fatos tiveram na semana que passou, volto a chamar atenção para a afirmação inicial: estamos atentos aos movimentos.
Manobras que possam oportunamente garantir vantagem na formação de um projeto particular de poder, notadamente pela força das armas, não deve prosperar. O Brasil já virou essa página, algo que se tem como questão encerrada dentro das próprias carreiras das forças armadas.
Embora tenha dito que não cabe bradar ao vento sobre qualquer supremacia, convém refrescar a memória de alguns de que não há mandatário acima do povo. Sobre isso, está enraizado em nossa Constituição de 1988, construída sobre histórias de luta, de perdas, de sangue: todo poder emana do povo!
Não poderia encerrar sem fazer o reconhecimento e a justa homenagem às instituições democráticas desta nação, que ao longo das últimas três décadas vêm garantindo o funcionamento pleno de nossa democracia. Não estão, essas instituições, civis ou militares, a serviço de qualquer projeto ideológico, mas, sobretudo, a serviço da população, garantindo-lhe o desenvolvimento social, econômico e humano.
Embora não explícita na Carta de 1988, podemos dela extrair a expressão: vida longa ao rei. Todavia, neste caso particular chamado Brasil, o rei é o povo!
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.