O conceito de justiça é amplo e pode ter definições distintas a depender do contexto em que é empregado. Na concepção socrática, justiça estaria ligada ao bem comum e, embora permitisse questionamentos, nunca devia ocorrer desobediência do foro íntimo do indivíduo, em razão do bem maior, que era a coletividade. Fundava-se nas leis que regiam as relações nas urbes. Para Platão funcionava como espécie de verdade a ser buscada por aqueles que prezavam pelo amor ao conhecimento, posição de virtude que cabia a qualquer um.
Em Aristóteles, a justiça estava ligada ao caráter dos homens, fundada como virtude que regia as relações e tinha como fim o desejo de realizar aquilo que é justo na interação com o outro. Na concepção religiosa, doutrina católica, compõe as virtudes cardinais, e consiste na vontade de dar ao outro o que lhe é devido.
Seja qual for das concepções, a justiça pode ser entendida como algo abstrato, que remete a um estado ideal na relação social. Fato é que o termo justiça é relativo àquilo que é justo e correto, preto no branco, como se costuma dizer popularmente. Conforme se define etimologicamente, é um princípio que garante a ordem social a partir da manutenção, do equilíbrio entre direitos e deveres na vida em sociedade.
Partindo dessa visão mais contemporânea, trazendo para uma realidade mais prática, dentro de um, digamos, entendimento popular, podemos dizer que o termo pode reportar à instituição Poder judiciário (Justiça) ou ao resultado emanado das suas próprias ações (justiça), entregue ao cabo de cada ação judicial.
Analisando por essa ótica e fazendo esse paralelismo entre o trabalho da Justiça – ofertado de forma incessante, 24 horas por dia e sete dias por semana – e a justiça entregue à sociedade como resultado desse trabalho, é preciso que se estabeleça um paralelo, também, com o cenário desafiador que se apresenta. A Covid-19 impactou sobremaneira a vida em sociedade e mudou, definitivamente, relações, condutas, comportamentos e, claro, a Justiça.
Dentro da conjuntura da pandemia, a Justiça maranhense, instituição, não parou. Há quase um ano, processo iniciado em março de 2020, o Judiciário do Maranhão, forçado pelas necessidades a adotar alternativas se reinventou. Incrementou novas tecnologias, aprimorou processos de trabalho e modernizou rotinas para continuar garantindo o acesso da população aos seus serviços.
Entendo que o Poder Judiciário ainda carregue uma má compreensão de moroso por parte de alguns segmentos da sociedade. Respeito, mas não posso concordar com tal afirmação, apesar de entender haver permanente necessidade de melhorias. Entendo ser uma visão um tanto errônea e generalista, que vem sendo alterada gradativamente.
Como chamar de moroso, pesado, antiquado um Judiciário que, somente durante a pandemia, realizou quase 12 milhões de atos processuais só no âmbito do 1º grau? Nos primeiros 20 dias de janeiro, mesmo com o recesso forense, 569 mil atos foram praticados, considerando a velocidade dos acontecimentos, esses números, seguramente, estão próximos dos 2 milhões. No momento em que você lê este artigo, seja dia, noite, fim de semana ou feriado, há juízes e servidores realizando atos e impulsionando processos.
Transformamos nossos computadores e smartphones em gabinetes e secretarias. Neles, acessamos sistemas, movimentamos processos, decidimos, julgamos. Tudo assinado eletronicamente, via sistemas que conferem segurança e legitimidade. Atos processuais perfeitos, sem qualquer vício de tramitação, tudo seguindo os ritos legais e protegidos por robustos sistemas de informática.
Mesmo em sistema remoto superamos todas as expectativas e estamos fazendo, magistrados e servidores, a justiça acontecer em cada rincão do Maranhão. A Justiça, instituição, “saiu” dos gabinetes para as telas de aparelhos eletrônicos, assegurando eficiência e agilidade por muitos impensada.
Em 2020, foram registradas 116 mil audiências virtuais, nas 389 salas virtuais da plataforma oficial de webconferência do Poder Judiciário. Não incluem-se, aí, as milhares de reuniões de trabalho, audiências públicas e um sem-fim de encontros virtuais promovidos em outras plataformas de relacionamento virtual. Em esforço conjunto com outros órgãos, as audiências de custódia também já estão sendo realizadas por videoconferência.
O Processo Judicial Eletrônico já teve sua implantação iniciada também na esfera criminal e, em breve, deve chegar a todas as unidades com competência penal. Ademais, mesmo aquelas atividades que precisam ser executadas presencialmente, foram feitas com toda prevenção necessária à Covid-19, a exemplo das 440 sessões do júri realizadas no ano passado. Em plena pandemia, a Justiça não parou.
Os tempos mudaram, o Judiciário se aperfeiçoou e está digital. A nova era é muito bem-vinda. O trabalho da Justiça segue altivo e, ao que me parece, nunca foi tão eficiente. Aos críticos, muito bem-vindos, deixo uma certeza: continuamos em movimento, na busca de um progresso contínuo para realizar a entrega da justiça a cada cidadão maranhense.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.