Não tem choro nem vela, é como diz o dito popular para algo que não se remedia facilmente. Assim é a fome. Ela vem, bate, castiga e nocauteia. De todas as angústias vividas desde tenra idade, sentir fome foi a pior das sensações que pude experimentar.
Diante da pandemia da Covid-19, a Organização das Nações Unidas (ONU), em julho, já prenunciava que a fome voltaria a crescer em todo o mundo, consequência da pandemia. Estimativas da Organização revelam que pelo menos 135 milhões de pessoas entrem em situação de fome em 2020.
Não são apenas números frios, mas seres humanos, muitos dos quais estão a vagar por uma alimentação que lhes assegure a capacidade de sobrevida. Ao todo, a Organização estima que 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019. A solução precisa vir e é urgente.
No Brasil, estudos recentes da própria ONU, entre 2015 e 2017, já demonstravam que cerca de um quinto da população sofre com a insegurança alimentar, que está relacionada à impossibilidade de cada cidadão ter assistidas suas necessidades básicas de comida.
Na última quinta-feira (17), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou estudo afirmando que a fome cresceu no Brasil em 2018. Essa constatação, somada às previsões da ONU, acarretam em uma preocupação ainda maior para o país, que pode retornar ao Mapa da Fome, produzido pelas Nações Unidas.
Nos últimos cinco anos pelo menos 3 milhões de brasileiros entraram no grupo que possuem uma alimentação básica irregular. Destaca-se que os dados apenas apontam para cidadãos com moradias fixas, excluindo-se aqueles em situação de rua.
Os dados mostram que o mapa da subnutrição alcança aqueles que já são, no dia a dia, tratados à margem da sociedade. A fome é maior na zona rural; quase metade está no Nordeste; metade das casas onde a fome impera são chefiados por mulheres; etnicamente, pretos e pardos são mais atingidos pela fome.
Em momentos de crise, o caos social se revela de forma ainda intensa, mostrando o abismo que ainda separa as “castas” da nossa sociedade. A fome é a consequência mais nefasta da extrema pobreza e alcança aquelas pessoas que historicamente, e ao longo de gerações, já viviam às margens da sociedade.
O problema é grande e inversamente proporcional. O estudo revelou que quanto mais moradores na residência, menor o acesso a uma alimentação equilibrada, capaz de suprir as necessidades básicas. A matemática do onde come um, comem dois, não se aplica em uma equação quando não há alimento sequer para um comer.
Para vencer a fome não existe fórmula mágica. De forma simples, parafraseando alguns conterrâneos de minha geração, ouso afirmar que a fome é uma doença que só se cura com comida.
E não há outra forma da comida chegar à mesa se não por meio de políticas sociais eficientes. Investir na agricultura familiar é o primeiro passo, responsável por quase 70% dos alimentos consumidos internamente. Em segundo, deve haver melhor logística para distribuição dos alimentos, uma vez que toneladas são perdidas anualmente. Por fim, uma forte ação de fortalecimento da economia, possibilitando a geração de emprego e renda para garantir o poder aquisitivo a cada brasileiro.
A falta de incentivo ao pequeno agricultor agrava a situação e tem forte impacto no êxodo rural, fenômeno que faz as famílias abandonarem os campos em busca de alternativas nas cidades. O resultado todos nós sabemos qual é.
Pessoas precisam ser tratadas como seres humanos. A política, o mercado e a economia não se bastam em si, mas existem em função das pessoas. Garantir os meios para prover as necessidades básicas de seus concidadãos deve ser a máxima de qualquer nação. Tem gente passando fome pelo simples fato de não ter dinheiro para adquirir o básico.
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas o modelo de mercado no qual está inserido obedece à lógica do lucro pelo lucro. Investem nos grandes, abandonam os pequenos, exporta-se a preço de dólar conforme a conveniência de momento, em detrimento dos consumidores internos. Fato este que, inclusive, contribuiu para o recente aumento da cesta básica no país.
É inadmissível que a fome continue a assolar um país tão rico e com enorme capacidade de produção. Um carma que atravessou todos os governos desde a instituição da República e que raras vezes foi encarado como um problema efetivamente de Estado.
Com fome não se estuda, com fome não se trabalha, com fome nada se produz. Com fome, a nação tem ceifada toda e qualquer possibilidade de desenvolvimento e progresso. Seguimos um rumo sem rumo, onde a única certeza parece ser a incerteza estacionada sob um tenebroso teto de densas nuvens escuras que pairam sobre a nação.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.