Em um desses fins de semana recentes, encontrava-me sentado em meu sofá, estrategicamente posicionado no meio da sala. A televisão, posicionada logo à frente, estava ligada, embora eu estivesse totalmente desligado, perdido em meus pensamentos devaneios, que me fazem fugir da realidade e me transportam para tempos longínquos.
Um estalo. Recobro minha atenção para o momento. Passo a mão no controle e decido conferir a programação dos canais abertos que temos à disposição. Deparo-me com um programa que me chama bastante atenção. Duas equipes de jovens travam uma disputa cujo prêmio é uma viagem com seus amigos. Para isso, precisam somar pontos em vários desafios de conhecimentos gerais a conteúdos lecionados nas escolas.
O que me deixou estupefato foi justamente o fato do programa ser destinado a jovens que, aparentemente, se encontram na fase de transição entre ensino médio e a faculdade. Nessa faixa etária, em tese, a juventude deveria estar a todo vapor, devorando livros e por dentro dos principais temas em debate. A curiosidade e a perspicácia deveriam ser características marcantes nessa fase da vida.
O programa se desenrolava, com perguntas e “xaradas” sobre temas diversos – conhecimentos gerais, geografia, entre outros. Na prova, cada etapa vencida permitia ao desafiante avançar “uma casa”, oportunidade em que mudavam os desafios.
Eis que é chegado o dito desafio que me desperta mais atenção, era de soletrar a palavra dita e repetida pelo apresentador, incluindo eventuais sinais e acentos gráficos. Bastava um acerto para finalizar a prova. Mas o último desafio, aparentemente fácil, se estendeu por mais de uma dezena de minutos, uma vez que nenhum dos alunos conseguia soletrar, de forma correta, as palavras, algumas até bem presentes em nosso cotidiano.
O nome do programa, do colégio, tampouco dos alunos não vem ao caso. Minha preocupação recaiu sobre as respostas e, de forma geral, me fez pensar na qualidade do ensino que temos atualmente.
Terregiver (tergiversar), idiocrásia (idiossincrasia), oniciencia (onisciência), microondas (micro-ondas), obsção (obsessão), reflêxo (reflexo), textil (têxtil), exepcional (excepcional), prachi (praxe), atarrachar (atarraxar).
Aquelas respostas causaram-me espanto, ao passo que acenderam o sinal de alerta para como estamos tratando nossa Língua Portuguesa.
Embora possa haver dificuldade em uma ou outra grafia, a maior parte das palavras ora mencionadas no desafio são usuais no vocabulário, principalmente para quem ainda frequenta os bancos escolares e, por essa razão, devem estar em permanente contato com conteúdos educacionais dos mais diversos, em especial o nosso Português.
Embora estudos indiquem o aumento no percentual de leitura entre pessoas que dizem ler – o que é algo muito subjetivo, pois é um dado que não se pode mensurar por meios concretos –, ainda é baixo e pouco diverso o conteúdo daquilo que leem. A bíblia e alguns escritos religiosos estão entre as obras mais citadas.
A leitura, de fato, ajuda na boa redação, mas mais do que a quantidade, a qualidade é que faz toda a diferença. Aí é que mora o ponto nevrálgico. Naturalmente para se escrever bem é preciso conhecimento do vocabulário, que por sua vez é adquirido com o hábito da leitura e o exercício da escrita.
Daí porque a afirmação de muitos especialistas que esta é uma deficiência trazida desde as séries iniciais, já que crianças são pouco estimuladas para a escrita e leitura, exercitando pouco o potencial a ser explorado. Não por acaso, a redação continua ser um “bicho-papão” de vestibulares e concursos Brasil afora.
À falta de incentivo na tenra idade, soma-se a interferência das tecnologias de informática e da comunicação na escrita, notadamente na geração chamada de “millennials”. Ela praticamente já não escreve, a não ser quando exigida, em regra. Utilizam programas e aplicativos de digitação nos quais a “correção” de palavras é automática ou, em alguns casos, fazem o emprego de “vocábulos” segundo convenções modernas, fora da norma padrão.
É uma geração marcada pela ansiedade acerca dos acontecimentos e que, por consequência, se expressa de forma mais intensa pelas chamadas redes sociais – com postagens e comentários abreviados e sem respeitar as regras. A leitura e o exercício permanente da escrita correta, o que demanda tempo e paciência, vão sendo deixados de lado. Peca-se no vocabulário, erra-se a ortografia, rasga-se a gramática.
Mas as novas tecnologias não são necessariamente vilãs, uma vez que possuem suas qualidades, como contribuir para estimular a criatividade e permitir acesso a um vasto conhecimento nas plataformas digitais. A grande questão é saber equilibrar o tempo entre o uso das ferramentas disponíveis e a leitura de obras, revistas e jornais, combinado com o exercício diário da escrita.
A ansiedade, a falta de concentração e o pouco controle emocional também interferem negativamente em uma boa escrita, mas são fatores que podem ser trabalhados se iniciados desde cedo. Juntando-se o conhecimentos gerais e o estudo da nossa Língua Portuguesa ao bom preparo psicológico, é possível ir bem em qualquer situação.
Importante destacar que o papel da família é fundamental no incentivo da leitura e na promoção do diálogo acerca do conteúdo lido. Presentear com livros, visitar bibliotecas, assistir peças teatrais e noticiários também estimula o senso crítico e a formação de opinião. O hábito de leitura reflete diretamente em como nos expressamos ao mundo
Sobre o programa de auditório? Bom, após dez palavras erradas, “estrofe” foi soletrada corretamente. Uma prova de que a persistência deve prevalecer às adversidades, o que também ocorre com a nossa língua. Em bom Português: somente a prática leva à perfeição.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letra