O ato de educar pode ser interpretado como a orientação para um ou outro conjunto de crenças que segue uma sociedade – seja na matemática, no português ou na história, sendo, algumas, convenções internacionais. Visto de forma ampla, o verbo educar possibilita uma gama de compreensões, que variam conforme o arcabouço cultural de um dado território.
Está intrínseco à conjuntura, daí porque aquela repassada em países do oriente se difere da linha seguida no ocidente. Assim, para o termo educação cabem várias definições, que envolvem conceitos relativos à formação moral, técnica ou religiosa, por exemplo. Da mesma forma, dentro de cada uma dessas duas linhas culturais, há subculturas que orientam a essa formação para diversas direções.
Analisando a sociedade que vivemos e as experiências que a vida me permitiu e permite acumular nas relações cotidianas, decidi extrapolar os limites das minhas apreensões e tomar um conceito da educação sob a perspectiva da criação familiar. Falo criação porque não trato como uma simples questão de educar, mas de repassar ensinamentos para a vida, diante das intempéries que a caminhada costuma apresentar.
Salvaguardando o aprendizado repassado pelas instituições de ensino, com mais ênfase no tecnicismo, é importante que falemos da educação enquanto instrumento de formação pessoal, do caráter e valores morais que edificam o ser humano e que são levados por toda sua trajetória. Essa reflexão advém após alguma análise sobre a educação que vejo entregue hoje por algumas famílias às suas futuras gerações.
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Embora a sociedade tenha evoluído em diversos aspectos, notadamente o tecnológico, parece estar deixando de lado a essência da formação humana. Fatores éticos e morais, que alicerçam o desenvolvimento da
autorresponsabilidade, tal como o respeito mútuo e a participação política fazem toda diferença na construção da cidadania de uma sociedade mais fraterna. Mas, hoje, parecem ocupar papel secundário nos lares brasileiros.
Todos esses aspectos parecem estar sendo deixados de lado dentro de uma nova lógica onde as relações no mundo pós-moderno, como defende o sociólogo polonês Zigmunt Bauman, estão ficando líquidas, tão voláteis quanto superficiais. Credito grande parte desse fenômeno às próprias famílias, especialmente aos pais, que têm o dever de conduzir os caminhos da nova geração.
Decerto que os momentos em família estão ficando mais escassos, substituídos pela vida corrida dos compromissos cotidianos, que por vezes se iniciam logo cedo e se estendem até altas horas. Neste ponto é importante reconhecer que o trabalho ocupe espaço primordial na vida das famílias brasileiras, principalmente diante de um cenário de incertezas políticas e econômicas que impactam o mercado.
Todavia, essa ausência, em parte até justificada, tem dado lugar a um excesso de “liberdades” dispensado aos filhos, passando a imperar aquela que rotulo como “educação do sim”. Perde-se a convivência e para compensar essa culpa pela omissão o afago, o carinho e o amor são substituídos por bens e valores materiais sob a ditadura do “sim”.
O medo de frustrar os filhos, já “castigados” pela ausência, faz com que se diga sim para tudo, deixando-se persistir um comportamento individualista. Coloca-se o filho dentro de uma bolha de proteção na qual suas vontades são sempre atendidas, o que se torna um grande perigo à formação moral do ser.
Ensinar que na vida há perdas e ganhos como consequência dos atos ou, muitas vezes, pelo mero acaso é o caminho para uma formação equilibrada. Assim, Ouse dizer não em algumas oportunidades em que se pode dizer sim. Como pai e avô, sei que pode doer, mas ensina e edifica.
Não terceirize a formação de seu filho para a escola, mas compartilhe com ela os ciclos de aprendizado. Da mesma forma, não entregue o lazer dos pequenos ao mundo tecnológico, sob pena de abduzi-lo da realidade, correndo-se o risco de transportá-lo por caminhos obscuros.
Particularmente entendo que os pais jamais podem cometer o pecado de querer dar tudo que não tiveram aos filhos. Para isso, trabalham incansavelmente, dobram expedientes, fazem horas-extras para dar um videogame novo, um computador moderno, um smartphone da moda e até uma mesada para aproveitar a uma liberdade quase ilimitada. Aí cometem um grande pecado, pois acabam por não entregar o mais importante.
Nessa perspectiva de aprendizado, ganhar e perder faz parte. A frustração com um “não” pode preparar melhor um filho para a vida do que o excesso de zelo, proteção e compensações. Estas, inclusive, defendo que existam, mas que advenham pelo merecimento e não pelo pecado dos pais.
Jogos eletrônicos não substituem a alegria compartilhada em família. Smartphones não ocupam lugar de um bom filme entre aqueles que se amam. Em um mundo de relações efêmeras e superficiais, não há nada que possa estar no lugar das relações reais que construímos.
Os desafios do mundo cada vez mais se agigantam e em todas as frentes: tecnológica, política, religiosa. Preparar as futuras gerações – filhos, netos, bisnetos – para o mundo real, cujas dificuldades nos trazem vitórias acachapantes, tal como derrotas com as quais é preciso aprender a lidar.
Sempre ouvi dos mais velhos que uma expressão que dizia: “se não aprender em casa a vida vai ensinar”. É uma máxima que ainda pode ser repetida sem medo de errar. A vida, de fato, ensina, mas muitas vezes por um caminho perigoso, motivo pelo qual não se pode arriscar.
No âmbito profissional ou nas relações afetivas construídas ao longo do caminho – sejam amorosas ou amistosas –, os tropeços servem para mostrar limites e as quedas acontecem para fortalecer rumo a um recomeço.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.